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[Crónica] ESC 2014: final da Eurovisão - por Andreia Fonseca


Uma Eurovisão que ensinou ao Mundo o que é a igualdade!


Terminou mais uma época eurovisiva, chega a depressão pós-eurovisão e fica mais uma aclamada vitória. Mais do que uma vitória da música (embora o tema e a intérprete tenham uma qualidade inegável), esta foi uma conquista da tolerância, da igualdade e da liberdade individual. Anos passarão, e ficará na memória dos eurofãs o dia em que Conchita derrotou” a toda-poderosa Rússia – não as intérpretes, que até pareciam simpáticas, mas sim o seu poder opressivo político. Eu sei que o ESC deveria ser, acima de tudo, um concurso musical, mas de que serviria ter uma plataforma com tão elevada exposição se não fosse utilizada para algo importante a nível social? Infelizmente, em tempos de falta de educação parental, parece que tem de ser a televisão a educar as crianças – esperemos que tenham aprendido algo de bom no passado dia 10 de maio, isto se os seus familiares não desligaram a televisão aquando da atuação/vitória austríaca.


Bem, mas antes da vitória austríaca, muito se passou no Festival Eurovisão da Canção 2014. Primeiro de tudo, tivemos um espetáculo bem organizado pelos dinamarqueses. A Arena não era muito luxuosa, a priori, não fosse esta um antigo estaleiro restaurado – sou completamente a favor deste reaproveitamento dos espaços, uma vez que o ESC deve integrar-se na cidade, e não deve ser somente esta a enquadrar-se ao certame. Mesmo assim, penso que o aspeto externo da Arena não marcava uma boa impressão, tanto que nem era focado nos planos de câmara – relembrem-se dos belos efeitos que os azeris no deram das bandeira no exterior da Arena em 2012. O palco era pequeno, com linhas mais retas, e quase a formar um efeito de “caixa”, por conta dos painéis que o envolviam. Confesso que em algumas atuações, os intérpretes pareciam enjaulados, mas isso também ficou à responsabilidade de cada delegação e das escolhas que fazia. Isto porque em algumas atuações o palco tornou-se tão belo que conseguiu encantar os espetadores (pelo menos tal aconteceu comigo), exemplos disso mesmo são a Áustria (as asas que se formavam de fundo, quase a fundir-se com Conchita), Montenegro (os efeitos que se formavam a cada passagem da patinadora deram um brilho à atuação), e a Arménia (os efeitos luminosos que se fundiam com cada fase do tema). Mesmo pequeno, o palco ainda tinha algum espaço para adereços, como é o caso dos tambores lusos, a roda ucraniana, o pseudo-barco russo e o trampolim grego. 


A apresentação não tem quanto a mim grandes apontamentos. Embora bem-dispostos, os apresentadores não foram hilariantes. Tivemos uma apresentação morna, mas competente. Se podia ter sido melhor? Podia, mas a perfeição não existe, e seguramente esta não foi a pior apresentação eurovisiva – basta recordar-me dos apresentadores azeris para baixar os meus padrões de comparação.


Os espetáculos de abertura e intervalo foram interessantes, nem sempre cativantes, tendo como pontos altos as atuações da Emmelie de Forest, uma presença sempre adorável. Mesmo assim tenho saudades dos espetáculos que nos faziam viajar pela história eurovisiva.


Quanto aos comentários portugueses, Sílvia foi mais contida do que em 2013, não fosse Portugal também participante nesta edição. A apresentadora forneceu informações úteis relativas a cada participante, tendo dado algumas pistas relativas a favoritismos. Penso que a nota final é positiva, tendo cumprido os requisitos essenciais que a função exige. Mesmo assim, sinto falta da sabedoria do experiente Eládio Clímaco... Mas isso são outras conversas.


Passando ao mais importante - os participantes -, este ano, tal como todos os que o precedem, teve uns curiosos (e até repetitivos) flops. O caso mais sonante foi o de Israel, uma potencial favorita ao top 10, e também um país recorrentemente afastado das finais. Se Israel merecia passar? Claro que sim! Podem dizer que a performance foi fraca, aborrecida, pouco marcante… Mesmo assim, este tema estava uns furos acima, em termos qualitativos, em relação a muitos que lhe faziam frente – sim, estou a falar de temas como o polaco e o bielorrusso. Outro tema que ficou de fora foi o irlandês, mas este com um afastamento mais compreensível por conta da fraca capacidade vocal e interpretativa da intérprete – mesmo assim, tinha um instrumental interessante e merece algum crédito.


E Portugal? Não foi um flop? Penso que não. Quanto a mim, pouco se podia esperar de um tema com parca qualidade em todas as suas vertentes: instrumental pobre; voz fraquinha, e predominantemente desafinada; performance com um toque amador… Enfim, um sem número de falhas que só poderia dar numa segunda derrota do insistente Emanuel. Podem referir “oh Andreia, estás a ser parva, o tema também só ficou a um ponto da passagem e foi dos mais aplaudidos da semifinal”. Ficar em 11.º lugar, quando só passam os primeiros dez qualificados não é um grande feito. Primeiro de tudo, eram somente 16 países, em segundo lugar, o país que ficou à nossa frente foi o São Marino (não é assim um grande rival). Mais ainda, sendo os temas predominantemente baladas, quando alguém sobe ao palco a abanar a anca, há que mexer para tirar a dormência das pernas. Mesmo assim, uma palavra de apreço a Suzy, pela simpatia, esforço e dedicação - e, claro, pelo excelente postcard. Portugal, ou mudas, ou sais, por favor - isto porque nenhum dos temas presentes no Festival da Canção 2014 seria capaz de competir ao nível dos países de topo em termos eurovisivos. Se queremos evoluir, temos de seguir exemplos de sucesso.


Quanto a temas de relevo da presente edição do ESC, não posso deixar de falar dos temas sueco e arménio. Favoritos à vitória, foram ultrapassados pela sensação holandesa e, claro, pela soberba Conchita. Embora Aram MP3 não me tenha conquistado em termos vocais, o seu tema continuou poderoso no que toca à intensidade e trabalho cénico. A Suécia manteve a sua fórmula, vinda da final nacional, com um interessante (mas menos marcante) jogo de luzes. Se gosto do tema? Era o meu favorito, mas consigo admitir que a Suécia podia ter dado mais – mas acredito que se saiu de forma brilhante, até porque não me parece que os suecos quisessem vencer novamente.


Como tinha referido, o tema sensação foi, claramente, a Holanda. Um tema calmo, mas bastante atual e comercial. Vocalmente irrepreensível, esta música foi bastante favorecida pelo clima intimista criado e pelo trabalho de câmara. Mesmo assim, continuo a considerar que o segundo lugar é um pouco excessivo para este tema – ainda assim, considero aceitável! Muito bem Holanda, fico feliz por perceber que estás a levar a Eurovisão a sério novamente.


No que toca aos repetentes romenos, o resultado deve ter dececionado os seus fãs, mas já era algo esperado, atendendo à receção mais modesta deste tema. Ok, o tema é orelhudo, a apresentação em palco foi muito boa e a capacidade vocal de Paula é algo do outro mundo… Mas faltava algo ao tema para o tornar tão memorável como o de 2010. No fundo, este 12.º lugar é um alerta para com a necessidade redobrada de surpreender aquando de um regresso à Eurovisão - não podem esperar milagres.


Quanto a temas sobrevalorizados, não posso deixar de falar do ucraniano (mas já sabemos que a Ucrânia fica quase sempre no topo, mesmo quando não merece), o polaco (40 milhões de visualizações?! Certamente que os polacos não andam a ver mais nada durante as suas horas vagas), e o tema de São Marino (continuo a achar que a sua passagem à final foi um golpe de piedade).


A Hungria acabou por surpreender, não tanto pela música (frenética, mas nem sempre marcante), mas sim pela temática apresentada. A violência infantil é sempre uma problemática pertinente, e foi nessa sensibilidade que a Hungria conquistou votos. Mais uma vez alerto para o papel preponderante do ESC enquanto meio de transmissão de importantes mensagens sociais. Se acho o quinto lugar húngaro exagerado? Confesso que sim, mas consigo aceitá-lo por acreditar na mensagem do tema e na relativa qualidade que este apresenta. 


No que respeita a resultados dececionantes, não posso deixar de frisar a fraca (e pouco recorrente) classificação italiana. Quando revejo as justificações para este flop, claramente se destaca a fraca capacidade vocal que Emma demonstrou. Quero acreditar que foi um problema de adaptação à própria música. Mesmo assim, soube bem ter um rock (de qualidade) em palco – mesmo tendo sido devidamente interpretado somente pela backing vocal que nem se via. O Reino Unido foi outro, dos BIG 5, a ficar-se pelo fundo. Torna-se notório que pertencer aos BIG 5 entorpece os países… Talvez porque os seus temas sejam menos “ouvidos”, talvez por não investirem tanto... Existe um sem-fim de possibilidades para explicar estes fracos resultados – que foi somente contornado pela poderosa, estrondosa e resplandecente capacidade vocal espanhola (sim, porque música havia pouca). Falando em resultados dececionantes, este ano podemos assistir ao Azerbaijão fora do top 10. Embora o tema tenha agradado aos júris, este passou completamente ao lado da audiência – o que é compreensível devido à própria apresentação monótona. Mesmo com mentalidades retrogradas, os azeris continuam a ser fortes concorrentes eurovisivos, que acabam por dar um incremento qualitativo ao espetáculo.


A Dinamarca soube acolher os eurofãs, mesmo com todos os contratempos, e presenteou-nos com uma atuação bem-disposta, mediana e que serviu para não dececionar. Pessoalmente, não me tornei fã do tema dinamarquês, uma vez que me parecia demasiado comercial… Quiçá banal.


Por último, a vencedora! A Áustria apareceu, para mim, como uma concorrente mediana. Com um tema interessante, mas que parecia não surpreender… Não podia estar mais errada! No momento em que vi a atuação da Conchita na semifinal percebi que esta seria a grande vencedora do certame. Não só pela atuação, que foi excecional, emocionante e extremamente marcante; mas também pelo apoio que recebia. Tornou-se notório o apoio aquando da saída do “envelope” com o nome da Áustria (foi o último, o que me fez recordar o cenário português em 2008). Podemos não amar o tema, mas é impossível ficar-lhe indiferente. Esta foi uma vitória merecida, musical e moralmente. É bom ver um ESC tolerante, depois dos atentados à liberdade humana que se têm passado por todo o Mundo. Acredito que, com esta vitória, menos rapazes e raparigas se sentem sozinhos, abandonados, estranhos e incompreendidos… Estes podem, agora, olhar para o exemplo da Conchita e perceber que, com persistência e amor-próprio, também poderão realizar os seus sonhos. No passado dia 10 de maio não ganhou, somente, um “travesti barbudo” (como teimam rotular os meios de comunicação social), ganharam todos aqueles que sofrem por serem diferentes… Ganhámos todos, por termos um Mundo um pouquinho melhor.


Imagens: eurovision.tv e facebook.com/silviaalberto.pt | Vídeos: eurovision.tv 
17/05/2014
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  1. Gostei... esta vitória é mesmo importante!

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  2. Excelente crónica! O que mais resume o ESC'14, e partilhando da opinião da cronista, é o facto de que "No passado dia 10 de maio não ganhou, somente, um “travesti barbudo” (como teimam rotular os meios de comunicação social), ganharam todos aqueles que sofrem por serem diferentes… Ganhámos todos, por termos um Mundo um pouquinho melhor." :)
    Foi um excelente festival, sem dúvida! Embora possa não ter tido a qualidade musical que apresentara noutras edições, teve uma evolução (mental e) social, deveras, estrondosa. Os meus parabéns ao Festival Eurovisão, mas, sobretudo, à Europa, pelo avanço!
    De acrescentar, apenas, a passagem da Islândia à final. Embora ninguém desse um "tostão furado" pela música, a mensagem e energia dos intérpretes conquistavam por si só. Uma letra muito pertinente, para todos prestarem (melhor) atenção.

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  3. EXCELENTE crónica, PARABÉNS!
    Uma análise bastante completa e bem conseguida do nosso ESC 2014, em todas as suas vertentes.
    Curioso, também senti o mesmo aquando da prestação da Áustria na sua semi-final. Já gostava da canção mas percebi, naquele instante, que seria uma séria candidata - se não a mais séria - à vitória, de tal modo que, apesar de já ter incluído na minha página do FB aquelas canções que considerava serem capazes de lutar pelo título (Arménia, Hungria, Israel, Noruega, Reino Unido e Suécia), tive de acrescentar forçosamente a Áustria, logo após a semi-final.
    Até Viena 2015! ;-)

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