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[Crónica] Esperámos dois anos. Ainda assim, ninguém nos preparou para o que aí vinha

Este é um olhar que se pretende atento, mas não demasiadamente exaustivo. Depois de longas semanas de variados assuntos eurovisivos, é uma visão circunscrita apenas às mais de três horas e cinquenta minutos de espetáculo da grande final do Festival. Como se isso fosse por si só pouco, não é? Enfrentámos uma final que, teoricamente, esperávamos há demasiado tempo, mas que ainda assim teve a capacidade de nos atordoar com a quantidade de situações em que fomos testando a nossa capacidade de apneia. Pelo menos, senti assim!


Quando percebi que o Festival Eurovisão da Canção 2021 tinha terminado, recuei por uns momentos, e questionei: onde e como é que o tempo passou tão depressa. E nem tantas horas em frente à TV, durante a final do certame, me deslocou desse pensamento. Acho que é sempre um denominador comum a muita gente, e que ao fim ao cabo acontece todos os anos. 

Quero apenas recuperar alguns pontos mais positivos e outros menos engraçados da grande final do ESC 2021. Vou expô-los, mas não vou catalogá-los. Desde já, acho que vão conseguir compreender, pelo tom de escrita, quando menciono algo mais positivo ou, por outro lado, simpaticamente negativo. Simpaticamente, atenção. Tenho vindo a aprender que mesmo quando queremos criticar alguma coisa, temos de o fazer de forma mansa, para que os mais fervorosos comentaristas nem sequer consigam compreender bem o tom da situação. Caso não entendam se estou a elogiar ou a reclamar com alguma coisa, deixem que seja a vossa imaginação a decidi-lo.

1. Nikkie faz um tutorial sobre apresentação aos restantes companheiros
(Ou a vitória do digital sobre a televisão)

Para a edição de 2020 da Eurovisão, Nikkie de Jager, ou também conhecida pela alcunha de NikkieTutorials, foi introduzida como a online host do ano, quase como moderadora dos conteúdos exclusivos do digital, a serem produzidos com os participantes desse ano. Em verdade, foi a única coisa que ainda assim se conseguiu cumprir, mesmo que à distância. De um ano para o outro, a YouTuber saltou para o papel de apresentadora, e eu não tinha entendido como é que isso tinha sequer acontecido. Mas bastou-me ver os três espetáculos deste ano para compreender. E agora, Nikkie prepara um segundo canal de tutoriais, agora dedicado a "como ser bem disposto à frente de uma câmara". Ainda, a aparição de vários conteúdos digitais na pequena tela televisiva foi igualmente um bom momento para demonstrar que os dois universos têm mais pontos em comum do que a separá-los!

2. Running Orders que não nos impressionam
(Ou o regresso do sorteio a 100%)

Quando em 2013 se consolidou que a ordem de atuações da Eurovisão seria decidida pelos produtores do espetáculo, já sabíamos que chegaríamos a este ponto: reclamações a torto e a direito todos os anos, de forma consecutiva, com alegações de que há sempre uns protegidos, em detrimento de países que são constantemente pior tratados. Também sabemos que essa ordem de atuações (agora falo em específico da final) pode ir buscar razão de ser aos resultados que determinado país teve nas respetivas semifinais. Pode ainda advir de algum posicionamento tido nas casas de apostas, ou com base nas opiniões gerais sobre canção X ou Y. 

Ainda assim, o propósito de "garantir a dinâmica do espetáculo" é o ponto principal. Mas algo não terá batido muito certo este ano. Se fosse só este ano, estávamos nós bem. Mas talvez tenhamos reparado que poderá ter sido das vezes em que ficou mais confuso, acho eu! Mais que não seja quando pensamos na alocação desmedida entregue às posições 16. a 20., com todas as canções desses lugares a terminarem no TOP 10 da final (com exceção da Bulgária, que ainda assim ficou em 11.º lugar). Fala-se em dinâmica de espetáculo, mas são capazes de colocar géneros musicais próximos uns dos outros (até artistas que apresentam a mesma indumentária). Claro que aqui a organização não pode ser sempre culpabilizada, mas gostava que voltassem com o sorteio da posição, só para ver no que daria.

3. As canções da final do ESC 2021
(Ou um ano em que podíamos dizer que até gostávamos de tudo porque estávamos sedentos de competição)

Claro que não gostávamos de tudo. Ainda assim, também não apreciávamos só uma ou duas. Acho que posso assumir que estaríamos um bocadinho assim, e foi o que acabei por ir sentindo... A verdade é que conseguimos compreender que estávamos perante um ano em que a competição era forte, não só em termos de "mas quem é que vai ganhar isto?", mas também quando recuamos ao recap de 2020. Dois anos sem Eurovisão poderá ter ajudado, mas foi sem dúvida uma das finais do ESC mais fortes, com muita coisa em aberto, e muita música a guardar no telele.


4. A saga dos ex-vencedores em Interval Acts
(Ou o porquê de Måns Zelmerlöw não ter encontrado mais nada de jeito para fazer na sua vida)

Eu até gosto que a Eurovisão se lembre e recupere os melhores momentos de antigos vencedores desta competição. Mas, fazê-lo ano sim ano sim, e, para ajudar à festa, com os mesmos cromos repetidos, já começa a ficar difícil de tolerar. Não sei, dá sempre o ar que certas personagens estão à espera das duas semanas de maio para pegarem nas suas roupas mais estilosas, saírem de casa, e aparecerem aos olhos do público. Nos restantes 300 e tal dias do ano, é o voltar à toca. Como disse, são vencedores do ESC por alguma razão, e todos (quase todos) gostamos deles. Mas se ficamos presos ao passado, nunca mais encontramos o caminho rumo ao futuro.

4.2 Não é erro mas sim mais um ponto sobre Interval Acts
(Ou a Davina Michelle ter sido melhor que qualquer outro intervalo da final)

A grande final da Eurovisão é sempre intensa, com muito a acontecer. Como já disse, às vezes aproveito os intervalos para descansar os olhos da televisão (ou então para trabalhar para aqui, qual escrav... não, nada disso!). Enfim. No entanto, se houver algum momento que me chame de imediato à atenção, voltarei a olhar para a TV. Durante a final, acho que não aconteceu. Talvez tenha apreciado a presença e a forte entrega vocal de Glennis Grace, que já não sabia por onde andava, mas estando irrepreensível em palco, como recentemente nos habituou.

Ainda assim, foram momentos que souberam a pouco. Fez-se o que se pôde, podem alegar. Mas quando têm um interval act como o protagonizado pela cantora Davina Michelle, relegado para uma primeira semifinal do evento, penso como teria sido giro se o tivessem projetado novamente na final. Continuaria a fazer um brilharete! PS: chega de sketches em carros. Enough is enough


5. Painéis de jurados que continuam a não perceber a tarefa que devem desempenhar
(Ou a falta de vergonha na cara, a 'política', e os pontos para a Moldávia em três passos)

Este é sempre um ponto muito perigoso de se mencionar, e quase que até tenho medo de o fazer, mas é um apontamento necessário. Claro que não é dedicado a todos os grupos de jurados nacionais, já que felizmente ainda há quem saiba o papel que aqui ocupa. Agora, ainda assim. Continuar a colocar o véu da ignorância sobre certas votações de júri, que seguem um linha de assumir um rol tão falacioso, enganoso, comprado, feito e partilhado entre amigos, comparsas ou vizinhos, e de certa forma desacreditadas, vão continuar a retirar mérito a partes cruciais deste concurso.

Não vou estar a fazer um tintim-por-tintim sobre algumas das votações dos jurados nacionais de países A, B ou C, até porque tenho bem consciência de que sabem a quem me dirijo. São sempre os mesmos. Conhecemo-los de cor e salteado. Claro que o caso da Moldávia é o expoente máximo do ridículo este ano. E relembro, não falo aqui do televoto, que seria outra situação com pano para mangas. Ter jurados que consideram "Sugar" a melhor canção da competição de 2021 é uma frase absurda o suficiente, mas aconteceu. Gostos são gostos, mas há performances e prestações vocais a pesar. E qualquer leigo conseguiria perceber isso!

Mesmo assim, faço por dizer que das duas, uma: ou se mantém tudo como está, mas é introduzida uma distinção entre painéis que se comportam como profissionais, e os outros que claramente fogem a essa regra, ou a EBU que pense (novamente) em ter mão firme sobre os casos que se repetem de forma sucessiva. Tirando as exceções apresentadas, o cômputo geral não foi desastroso, e o TOP 10 do júri terá sido merecido (e não digo isto por Portugal ter ficado em sétimo lugar, apesar de também o merecer).

Resultados finais depois da votação dos jurados dos 39 países em competição

6. Um televoto que nos fez dizer "O QUÊ!?" mais do que quatro ou cinco vezes
(Ou a saga dos nul points e a vitória dos países engolidos pelo jury vote)

É aqui que eu vou fazer alusão ao título desta crónica. Esperámos dois anos pela Eurovisão. Todos estávamos a desejar que o momento acontecesse. Contámos os dias. Ainda assim, podiam ter avisado que a apresentação dos resultados da votação do público iria ser totalmente imprópria para pessoas mais sensíveis. Acho que foi imprópria para qualquer um, ponto. Claaaaaaro, não é novidade nenhuma, e eu quase fui pulseira amarela num hospital, depois do esquema da votação de 2017, mas isso porque estava ali Portugal, não é?

Ainda assim, este ano esteve de tal forma recheado de momentos surpreendentes, que sinto que nem depois de 10 repetições do vídeo da votação vou conseguir compreender tudo ao milímetro. Termos tido quatro países a zeros num televoto do público não é só histórico, como um pouco chocante, e até triste. No reverso da medalha, vermos a ascensão da Lituânia, da Finlândia e da Ucrânia também é de tirar o fôlego. E para não falar da batalha final dos últimos três titãs. Acho que esta parte em específico do Festival já devia ter sido nomeada para um Óscar ou outro qualquer prémio internacional. Querem melhor triller do que os resultados de um televoto??

7. O verdadeiro fair play entre artistas, delegações e a reação do público
(Ou como mandar a Europa para um certo sítio mantendo a educação e o respeito)

Há lá maior reação do que a do James Newman e a da delegação do Reino Unido? Juntando às atitudes do público presente na Rotterdam Ahoy, assim como dos restantes participantes da final? Isto perante a excentricidade de 0 pontos atribuídos. Falo do Reino Unido, porque foi a situação mais tensa da noite, mas ainda houve mais distribuições do estilo. No final, todos se apoiavam uns aos outros, a felicidade reinava em cada rosto (Destiny left the room), e o sabor de viver aquela noite sobrepôs-se. Um espírito louvável, e que merece as nossas exaltações!


8. Itália a vencer o certame
(Ou a dor de cabeça da EBU, que já deve ter discutido com os representantes da RAI)

Era esperado? Não era esperado? Estava em primeiro nas casas de apostas! Mas o júri ia desgraçar-lhes a vida! Aceções que fomos vendo ao longo da última semana. Ainda assim, mais de 300 pontos do televoto vieram para arrasar. E agora, só temos de esperar que a emissora italiana não decida converter estes pontos todos em horas de espetáculo, porque o pessoal trabalha cedo a uma segunda-feira, e mais de 3 dias de Festival e de arraial não dão lá muito jeito.

"Zitti E Buoni" nunca foi a minha favorita, mas a atuação dos Måneskin prendeu-me ao ecrã. Tinha outras favoritas, mas a canção venceu bem. Siga, e assunto encerrado. Pragmáticos, sempre.

9. O triunfo de um país menosprezado chamado Portugal
(Ou o manual sobre como cantar em inglês na Eurovisão e conseguir o 2.º melhor resultado do século XXI)

Ontem tivemos a publicação de uma primeira crónica que explicou, passo a passo, o sucesso português, e sim, sucesso, já que vínhamos de uma nomeação de "Portugal vai ficar nos últimos lugares". Acho que devíamos manter aquela receita para nós, certamente continuará a ser útil. Ainda assim, só tenho mais isto a mencionar: Ainda bem que o Tatanka não colocou um par de luvas brancas como espécie de adereço a complementar o estilo elegante e soberbo do smoking apresentado. Ia ficar péssimo. Ainda assim, as luvas brancas estavam lá. Estiveram sempre!...

Tatanka, vocalista dos The Black Mamba, na interpretação de "Love Is On My Side"

E foi este o meu momento pós-Eurovisão. Desde já, as minhas desculpas caso tenha roubado muito tempo. Desculpas também caso esta visão tenha tombado para um lado mais satírico e menos convencional, este último tão mais aprazível da minha pessoa. Senti que, depois de duas semanas de análises a ensaios do ESC 2021, precisava de descomprimir de alguma forma. Ainda assim, a minha honestidade manteve-se! E que a Eurovisão nunca se esgote nos nossos pensamentos!

Imagens: BLITZ/Eurovision.tv/ Vídeos: Eurovision.tv

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