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[Crónica] ECY 2017: O que aconteceria se a Eurovisão não tentasse agradar ao público geral?


O que é a Eurovisão quando despimos todos os adjetivos proeminentes da Eurovisão que conhecemos? O que é a Eurovisão quando não existe pressão para agradar ao público geral? Tivemos um sabor de resposta durante o Eurovision Choir Of The Year 2017.

Ninguém sabia o que realmente seria o Coro do Ano da Eurovisão, dado que o certame teve a sua estreia este ano, mas poucos mostraram interesse em descobrir.  Alguns fãs de Pitch Perfect terão saído desiludidos e todos os que esperavam ouvir “You Raised Me Up” cantado por trinta criancinhas adorável saíram, com toda a certeza, desiludidos. 



O programa começa e o shot inicial é uma visão aérea da arena. Vê-se uma arena parcialmente vazia (ou parcialmente cheia, depende como olham para ao copo) e um palco surpreendentemente não simplístico. Nos primeiros dois minutos conseguimos perceber que não vamos ouvir “Oh Happy Day” e bater palmas entusiasmadíssimos. Não deixa de ser uma canção de abertura imaculada.


Entram as senhoras da Estónia e é-nos apresentada música litúrgica com indumentária tradicional estoniana e uma mistura de exorcismo e alucinogénios. Deixem que vos diga… foi algo de especial. De repente percebi o que estava a ver: a apreciação de um nicho que é do mais talentoso e disciplinado que existe. 


Percam sete minutos a entranhar a atuação do coro dinamarquês. Já ouviram algo com que possam fazer comparações? A resposta é, provavelmente, não. Um brilhantismo teatral que foi, para muitos, a surpresa do formato.



Depois da atuação dos prepubescentes belgas, entram os alemães. Vê-se um beatboxer e o som deste coro é mais fácil de perceber para os meros mortais como eu. Pondo de parte o meu desconforto de ver um coro alemão a apropriar-se da cultura africana, tenho de dizer que nem o elenco do Lion King na Broadway consegue criar uma imersão tão fenomenal! Fui transportada para a selva!


A Eslovénia, que seria a futura vencedora da primeira edição do Eurovision Choir Of The Year 2017, destaca-se por ser um aparente musical criado por alunos que acabaram de tirar um curso todo alternativo sobre música contemporânea como ferramenta de narrativas. A rapariga favorita do maestro, escolhida para solista, é fenomenal!  
Os húngaros vêm de avental e a sua atuação demora dois anos e meio. 


Quero salientar que até este ponto no programa ainda não vimos um único grupo vestido com algo que não nos deixe confusos e não vão acreditar… ainda não ouvimos inglês! Eu sei… que tipo de Eurovisão é esta? 




A minha atuação favorita foi, de longe, a do País de Gales. Se vos perguntarem qual é a música de elevador que se ouve quando formos subir para o céu divinal (porque é para lá que vamos, certo?) digam que é algo deste género. Outra solista fenomenal! E os meus olhos ficaram por lubrificar durante 8 minutos! Apenas podemos sonhar ter tido tal dimensão de talento quando tínhamos aquela idade.



A atuação da Áustria é a prova mais transparente do valor que esta competição tem. Seria fácil pensar que a música tradicional da Áustria é somente a música clássica de que são conhecidos, mas o coro austríaco lembra-nos, com a indumentária e com o acordeão, do folk barroco que inspirou tantos aspetos de The Sound of Music. Quem me dera cantar com tanto entusiamo sobre nabo! R.U.T.A.B.A.G.A!



Mais uma vez vemos a escolha de indumentária tradicional por parte da Letónia. Se acharam estranho as letãs começarem a copiar o jogo de copos do Pitch Perfect, deixem-me que vos introduza a esta nova perspetiva: o jogo de copos do Pitch Perfect teve origem num jogo tradicional letão! Nível de cultura ascendido! 




Com todo o louvor que derramei para estas atuações, será que acho que foi um sucesso? Bem, depende do que realmente era o objetivo deste programa caloiro. 
Se a intenção era criar uma nova superpotência de audiência e de interação internacional, então o falhanço foi abismal. O mundo dos coros não é e nunca será para o cidadão comum. 
Se a intenção era satisfazer todos os indivíduos que se queixam que a Eurovisão já não se fundamenta na expressão cultural e que o que interessa aos grandes nomes, responsáveis pela organização do programa, é unicamente os milhões que lhes entram para o bolso ao explorar o mercado mainstream... então o Eurovision Choir Of The Year não poderia ter sido mais brilhante!


A magia da Eurovisão está na essência que agrada a um grupo maioritário de pessoas, daí o pop e o inglês serem proeminentes. Qualquer pessoa consegue apreciar e perceber um Sergey Lazarev a cantar uma canção pop comercial de frases vagas, em inglês, enquanto sobe uma parede por nenhuma razão lógica. É fácil, é pouco e nem precisamos dos 10% do cérebro que temos à disposição para admirar o trabalho. Na situação oposta encontra-se, por exemplo, a atuação do coro dinamarquês: é necessária toda a energia que se tem no corpo, uns bons headphones e, provavelmente, ajudará conhecer todos os meses de trabalho que são postos na coordenação de trinta vozes diferentes. 

Vou assumir que nenhum de nós consegue realmente dar o valor merecido a este ofício, como nenhum de nós conseguiria distinguir o melhor vinho branco do mundo do vinho Casal Garcia, e é por esta razão que não prevejo um futuro sorridente para este ramo da Eurovisão, mas aplaudo este investimento, que não foi, de maneira nenhuma, incentivado pelos números. 



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