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Crónica ESC 2017: "É a hora!"

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
Fernando Pessoa, Mensagem, Nevoeiro







E quem éramos nós antes daquele glorioso mês de julho de 2016? Quem éramos nós antes de percecionarmos o baloiçar das redes da baliza francesa, movimento esse provocado pelo impacto de uma bola, que partira dos pés de D. Sebastião dos tempos modernos, mais conhecido por Éder? Para nós portugueses, abençoados com orgulho lusitano, éramos tudo! Para os europeus e restantes habitantes do mundo? Éramos nevoeiro! Éramos o fim impreciso e escondido da Europa. Éramos apenas uma extensão do território espanhol. Éramos "(...) Portugal a entristecer -/ Brilho sem luz e sem arder (...)"! Isso, antes de termos alcançado o título de Campeões Europeus de Futebol, mostrando que também temos força para chegar longe, mesmo sendo apenas no desporto.

O nosso momento parecia ter surgido, a nossa hora parecia ter chegado! Mas seria esta conquista algo pontual ou apenas o início de uma era de ouro para Portugal? O que é certo é que tínhamos os olhos do mundo postos no nosso país, mais do que alguma vez tivemos.

Foram-se passando alguns meses e a ressaca da nossa vitória europeia foi-se curando e talvez algum pessimismo português se terá voltada a instalar: será que um dia voltaremos a brilhar? O que é certo é que começaram a surgir as primeiras notícias do criticado Festival da Canção 2017 (FC 2017). A fórmula parecia ser nova, mas ninguém acreditava que a continuidade da nossa glória alcançada em julho passasse pela Eurovisão. Ninguém acreditava! Nem eu, nem tu, nem ninguém...

Salvador Sobral vence o concurso nacional, depois de ter surpreendido tudo e todos na semifinal com uma verdadeira obra de arte. Não era apenas uma canção: era um sentimento, uma emoção! Era "Amar Pelos Dois". E é após esta vitória que o destino ou o acaso (para os mais céticos como eu) começaram a fazer das suas e começou-se a traçar um caminho simétrico ao da situação de Portugal no Euro 2016: tal como ninguém dava nada pelo Éder, também ninguém dava pelo nome Salvador, aquando do anúncio dos intérpretes para o FC 2017; entrámos no Euro 2016 com algum favoritismo, tal como "Amar Pelos Dois" escalou nas casas de apostas eurovisivas; a constituição da seleção nacional foi fortemente criticada pelos portugueses, tal como Salvador Sobral foi enxovalhado por críticas a nível nacional, pelo modo de interpretar a sua canção. Será que nenhum de nós foi capaz de reparar nesta analogia caricata? Não estaríamos nós a desprezar as evidências que a vida nos foi dando? Ou o destino ou o acaso indicavam a nossa vitória na Eurovisão, mas ninguém teve a perspicácia para decifrar os sinais que só poderiam culminar de um modo.


Entretanto chegou o mês presente, o mês de maio, o mês que todo o eurofã adora: o mês da Eurovisão! Ao longo dos ensaios feitos por Luísa Sobral, o frenesim em torno da nossa participação foi aumentando. O nosso salvador, Salvador Sobral, chega a Kiev! E a partir daí, a chama que se tinha acendido em julho de 2016 ficou mais intensa! Portugal volta a uma final eurovisiva, depois de seis anos de eliminação precoce ou não participação no certame. Já se tinha feito história. Mas algo maior estava por vir, algo mais glorioso e importante, algo que extinguisse com o "nevoeiro" de vez do nosso país.


Salvador Sobral destacou-se completamente dos restantes participantes do certame internacional deste ano. O macaco de Itália, o goticismo do Azerbaijão, os canhões da Roménia, a pirotecnia de Israel, o freakshow da Croácia... nenhum elemento foi suficiente para vencer a simplicidade portuguesa. A partir daqui, já todos nós sabemos o que aconteceu! As votações do público e do júri foram reveladas e Portugal sagrou-se mais uma vez campeão europeu e não só, não estivesse a Austrália envolvida no assunto.


E afinal a nossa vitória no Euro 2016 não foi algo pontual: foi apenas o início de uma era gloriosa para Portugal! No sábado ganhámos a Eurovisão e daqui a um ano teremos os olhos da Europa postos no nosso país! A RTP tem a tarefa árdua de organizar um certame deste calibre e tem em mãos mais uma oportunidade de colocar Portugal na ribalta.
Ouvi dizer pelos meios de comunicação social que Portugal está na moda! Portugal não está na moda... Portugal esteve sempre na moda! Simplesmente o nevoeiro que impedia que o mundo nos visse desapareceu e o poema "Nevoeiro" de Fernando Pessoa deixou, finalmente, de fazer sentido. Hoje somos os mesmos portugueses! Continuamos a ser alegres, a ter um sorriso nos momentos difíceis, a ter contas infindáveis para pagar e a beber cerveja e a comer tremoços enquanto vemos jogos de futebol... mas já não somos os pobres coitados desprezados por um mundo que, durante tantos anos, nos ignorou. O nosso momento, o nosso tempo chegou...
É a hora!
Imagens: atelevisao, cmjornal, abc.net, euacontacto





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