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[Crónica] ESC 2015: 'vou sempre amar esta magia que a Eurovisão faz com as pessoas'


Encontramo-nos este ano em Viena para a 60ª edição do Festival Eurovisão da Canção. E é preciso admitir, o número 60 é um grande número e merece uma grande festa, não é todos os dias que se festeja 60 anos. Mas foi uma grande festa? Bem... foi e não foi. Acho que esta edição foi salva pela enorme qualidade musical, por excelentes cantores e excelentes músicas. Foi uma das edições mais vibrantes e mais difíceis, com várias músicas que mereciam o pódio. Foram os participantes que fizeram valer a pena, porque se não fossem eles teríamos tido um espectáculo muito defeituoso.

Sim, é hora de começar a cair em cima da organização. Mas para não entrar a matar, vamos começar pelas coisas boas. Tivemos este ano um palco muito bonito, que apesar de mais pequeno que os seus antecessores, conseguiu estar à altura do espectáculo (apesar de que as bolas no tecto, que podiam ter abrilhantado as actuações, acabaram por se revelar uma bela inutilidade) e permitiu coisas bastante impressionantes nas actuações. Outras coisas que achei bastante engraçada foi a alusão da Google ao festival, que realmente mereceu a menção, e a criação das hashtags no Twitter que fizeram com que tweetar tivesse toda uma outra piada. Também há que dar o mérito aos vídeos que foram construídos para o espectáculo, especialmente aquele alusivo ao tema deste ano, "Building Bridges", que acho que captou toda a essência do lema. Mas, na minha óptica, as coisas boas ficam por aí. A organização do evento ficou muito aquém da qualidade musical, o que realmente foi uma pena. Para começar, a escolha das apresentadoras foi tão mal acertada que eu acho que deviam ter deixado a rainha Conchita apresentar tudo que ela dava bem conta do recado. A sério, as estátuas italianas eram mais expressivas que aquelas três. Os erros de realização sucederam-se, a começar logo pelos ensaios, quando trocavam os nomes dos países que estavam a ensaiar. Continuaram no palco, com planos cortados quando não deviam ser (vamos recordar a perna levantada da Leonor?) e com erros que prejudicaram as actuações. Pelo menos provou-se que Nina Sublatti é uma verdadeira guerreira, para conseguir cantar no meio de tanto fumo! Para além disso, é preciso criticar a corrida na revelação dos finalistas na primeira semifinal. Se aquilo fosse o rally de Portugal, elas tinham chegado em primeiro. 


Agora que terminei com a organização, vamos a outro assunto sério. Esse assunto chama-se Rússia. Sou e continuarei a ser contra as insurgências contra os cantores que representam a Rússia. Eles não têm culpa de nada, eles não abominaram a Conchita nem criaram guerra na Ucrânia. Mesmo que os seus ideais até vão de encontro a isso, eles não os fizeram valer, então nada justifica as vaias e as bandeiras LGBT na cara deles. No entanto, não acho que tudo o que a Rússia fez possa ser esquecido. E vocês vão dizer: ah, mas isto é um concurso de música, a política fica de parte! E eu vou-vos responder: quem insultou a Conchita? Quem quis criar um festival como revolta contra a vitória austríaca? Quem maltratou mulheres por terem saído à rua com uma barba falsa? Quem provocou a ausência da Ucrânia este ano no festival? Se eles podem misturar o festival com política, porque é que eu não posso? Porque é politicamente correcto não misturar? Desculpem, mas não tenho sangue de barata. Eles podem defender os seus ideais no festival, então eu também defendo os meus. Agraciar a Rússia com uma vitória era passar-lhes a mão nas costas e dizer que estão a fazer bem. É colocar o país num lugar superior onde mesmo que eles façam coisas que não deviam ser feitas, nós baixamos as orelhas perante isso. Tudo isto não invalida a qualidade e o esforço de Polina Gagarina. Ela foi excelente e provavelmente merecia a vitória. Mas não é o nome dela que está na classificação final. O segundo lugar é um indicador de qualidade tão bom como o primeiro e obviamente o esforço de Polina não foi em vão. O seu trabalho continua a ser motivo de orgulho.


E então chegamos àquele que para muitos foi o herói da noite. Como já devem ter percebido, foi para mim também. Não tinha esta música como preferida, estava longe disso, nem a queria como vencedora. No entanto, ali mais ou menos a meio da votação, já era da Suécia desde pequenina. Não esperava uma vitória sueca tão cedo mas mais uma vez os suecos recolheram os frutos do seu trabalho, esforço e originalidade. Mais uma vez mostraram porque merecem ser favoritos todos os anos. Apesar de eu não achar a música de Måns Zelmerlöw a melhor coisa que a Suécia já enviou para concurso, a verdade é que eles fizeram muito com uma música que à partida não seria nada de impressionante. Arriscar-me-ia a dizer que os suecos podem agradecer a vitória ao pequeno Måns Petter, foi ele que encheu os olhos a quem avaliou. Não tirando qualquer mérito a Måns, que foi irrepreensível em palco. Não era a minha escolha, mas foi uma prestação que certamente mereceu levar o grande microfone para casa.


E eis que chegamos ao expoente da dor na alma. O euromelão chegou quando vi a Itália a afastar-se do primeiro lugar e caí em mim de que o trio não ganharia. Acho que andei ali umas horas que negava a mim mesma que isto tinha acontecido e queria acreditar que a final ainda não tinha acontecido. Deixem-me, cada maluco tem direito à sua pancada. Mas a verdade é que aquela que para mim era a melhor música acabou por ficar em terceiro lugar. Obviamente que a música não é o único ponto a ter em conta e no que toca a imagem, a Suécia elevou a competição a um nível onde não tinha concorrentes. Mas é impossível negar a grandiosidade deste tema e das vozes que o interpreta, apesar de o menino Ignazio ter mandado uma bela canelada ali no fim e ter arruinado o seu momento de brilhar. Talvez o conjunto tenha sido um pouco morno demais, mas em termos daquilo que lhes competia, os três rapazes foram mais que eficientes. Este é um terceiro lugar que vou chorar por muito tempo.


"Olá, o meu nome é Austrália, participei uma vez e já consegui um lugar melhor que Portugal. E tenho menos vizinhos."

Antes que me considerem uma bota-abaixo de Portugal, vou explicar o porquê de ter começado com esta frase. No final de cada festival a história é sempre a mesma: não ganhamos porque o festival é político e não temos vizinhos. Pobre Austrália, que não tem vizinhos e conseguiu um lugar miserável e... oh wait, eles ficaram em 5º lugar! E também não se pode dizer que tenha sido um lugar político, porque segundo o que foi anunciado o país só voltaria se ganhasse este ano, um 5º lugar nada lhes asseguraria. Embora eu tenha quase a certeza que eles vão voltar. E sabem que mais? Eu quero que eles voltem! Se for para trazer qualidade musical, que voltem! A Austrália não conseguiu este lugar porque era país convidado nem essas histórias todas. Eles conseguiram porque fizeram por isso! Porque tinham uma música boa, um cantor carismático e muito boa energia em cima daquele palco! Para não falar da voz de Guy Sebastian, que mostrou todo o seu valor em cima daquele palco. Acho sinceramente que esta prestação foi um abre-olhos para muitos países que andam para aí a dormir, incluindo Portugal. E agora vocês vão dizer que isto não é étnico, que é só mais uma música entre tantas. E eu vou-vos responder com isto:


"Olá, eu sou Israel, fiquei em 9.º lugar e não tenho vizinhos votantes."

Na realidade, as prestações dos dois países podem ser comparáveis. Músicas animadas, muita energia no palco, a plateia ao rubro. E nenhum dos dois tinha vizinhos para votar neles. Os resultados são diferentes, mas comparar a experiência de Nadav com a de Guy é um crime, portanto a diferença é mais que justa. Mas esta música veio colmatar o problema daqueles que criticam a perda de identidade do festival. Israel esmerou-se e conseguiu aquilo que poucos países conseguem fazer com brilhantismo: misturar o tradicional com o actual. Não é preciso perder a identidade de um país para se enviar uma música que facilmente se ouve nos dias de hoje, é preciso ser-se original e criativo. Esta música também é um abre-olhos, mas para todos os países que participam no concurso. Para os que só mandam mofo, e para os que nem uma única vez mostraram de que é feita a música do seu país. Claro, aqui podem pegar porque está cantada em inglês, mas colocar esta música em hebraico seria apunhalar a música e deixa-la sangrar até à morte. É preciso saber quando se deve cantar em inglês e quando não, e perder um "I'm a golden boy, come here to enjoy" era crime com direito a prisão. Israel conseguiu este ano superar-se, mostrando aquilo que de melhor o festival pode ter. Esperemos que a iluminação continue para aqueles lados!


E então chegamos à cantora que, não tendo conquistado nada, também foi nossa heroína. Leonor Andrade fez o impossível com uma música que em nada ajudou o seu trabalho. Foi criticada pelos sites estrangeiros, toda a sua atitude foi mal falada e no final, apesar de não ter conseguido o passaporte para a final, conseguiu algo que acredito que lhe dê muita satisfação a nível pessoal: conseguiu que esses sites voltassem atrás e dessem o braço a torcer ao seu talento. Para nós, portugueses em geral, isso não vale muito, mas para quem se viu na frente de milhares de pessoas como ela se viu, deve valer ouro. Mas, obviamente, satisfação pessoal não nos trouxe um melhor lugar. Portugal voltou a falhar a final, na qual não está presente desde 2010. É actualmente o país que está há mais anos sem ir à final. O que se anda aqui a passar? O que é que vai na cabeça da RTP? Eu juro que gostava de entender, mas simplesmente não consigo. Todos os anos é a mesma palhaçada, com promessas de qualidade sublime no Festival da Canção e depois com um resultado tão medíocre que uma pessoa fica com vontade de mudar de nacionalidade. Será que eles acreditam que têm mesmo músicas para conseguir alguma coisa na Eurovisão? Será que eles não vêm o mesmo programa que eu todos os anos? E as pessoas ainda dizem que não ganhamos porque não participamos em inglês. Não, isto não passa por cantar em inglês, português ou mandarim. Isto passa por toda uma revolução na RTP de forma a permitir que pessoas que percebam do festival possam intervir, porque de outra maneira não vamos lá. É muito preocupante que eu esteja a assistir a uma semifinal e quando falta apenas um país para se qualificar eu esteja a torcer por outro país que não o meu. É ainda mais preocupante quando sinto que ficaria chateada se Portugal passasse e esse país (que todos sabem que estou a falar de Israel) não passasse. Isto nem sequer é falta de patriotismo, o que é ainda pior. Isto é perfeita noção de que Portugal não está na final porque não merece e não trabalha para isso! Onde é que está a publicidade? Onde é que está o esforço para fazer alguma coisa bem feita? Este ano tive ainda que ler algo tão vergonhoso vindo do canal oficial do Eurovision.tv como "não colocamos as novas versões da música portuguesa porque não as recebemos". Mas andamos a brincar, RTP? Os meus pais pagam impostos para vocês irem passear a Viena e envergonharem os portugueses? É mais que óbvio que vocês não querem ganhar e que bater recordes vergonhosos é o vosso único propósito de vida, mas para isso fiquem em casa. Gostava muito de um dia me voltar a sentir portuguesa enquanto vejo a Eurovisão, mas assim fica muito difícil. 

Não podia terminar sem, obviamente, falar da veia de comediante que todos nós descobrimos em Ramón Galarza. Já todos nós sabíamos que ele é um excelente produtor musical, as músicas portuguesas são prova disso (vou escrever que estou a ironizar, que é para o caso de alguém achar que sou surda e estou a falar a sério), mas não fazíamos ideia que ele era tão bom comediante! Lembram-se daquela vez em que ele disse que a música de Portugal era melhor que a da Estónia? Ai, ri-me tanto que me vieram as lágrimas aos olhos. A sério, o senhor manda assim umas piadas que é de rir e chorar por mais. Ou então não. Mais um conselho RTP, da próxima vez que quiserem pôr alguém a comentar a Eurovisão, ponham alguém que percebe alguma coisa do festival e que não acha que ele tem 40 anos. Ninguém é obrigado a levar com isso.


Há que realçar o esforço que realmente alguns artistas fizeram para seguir o lema deste ano e criar pontes. No fundo, é sobre o que este festival é, criar amizades com outras pessoas que vêm de países muito diferentes e com culturas diferentes, e que mesmo assim as vemos como iguais (antes que me chamem hipócrita por ser anti-Rússia, leiam o que escrevi antes e vejam que nunca fui anti-Polina, ou anti-cantores russos). Este ano acabamos por criar pontes mais fortes com a Suécia, para onde iremos no próximo ano. Até lá, temos muito boa música para ouvir e, quem sabe, criar novas pontes com as pessoas à nossa volta. Quantos nós não fizemos amigos só porque eles gostavam da Eurovisão? Se há algo que os resultados medonhos de Portugal nunca me vão tirar são essas pontes. Talvez até as fortaleça! Aaaaah, digam o que disseram, vou sempre amar esta magia que a Eurovisão faz com as pessoas.

Imagens: Eurovision.tv
25/05/2015

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