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[Crónica] ESC 2015: A Eurovisão continua livre!


Meio da votação, Rússia lidera a tabela, na audiência ouvem-se assobios, e o meu coração batia desconcertante. Sediar o nosso evento, LIVRE, na Rússia? País que priva os outros da sua liberdade. País que bombardeia o seu vizinho, levando a que este último nem concorra na Eurovisão. Não se trata de ironia, é mesmo injustiça. Dei por mim a pensar “amanhã, na minha crónica, irei somente colocar a expressão ‘A Eurovisão não é mais sinónimo de liberdade, estou de luto’, não posso compactuar com isto”. Durante largos minutos dei por mim em desespero. Nem as ressalvas de que a Eurovisão não é política me aliviavam. 


Eu sei que este certame não é política, mas a Rússia é que usou o truque do tema sentimentalista de apelo à paz. Se gosto do tema? Gosto, mas se a votação serve para agraciar os vizinhos, também serve para congratular quem prima pela liberdade. O mais importante é a música, é verdade, mas nesse ponto o justo vencedor seria a Itália – o tema mais bem composto e interpretado. Tanto a Rússia como a Suécia ganharam destaque pelos “artifícios” – embora as animações suecas sejam muito mais “UAU” que o vestido russo.


Mas a Eurovisão não é só música, sejamos pragmáticos, em termos mais abrangentes é consensual referir que a Eurovisão é Cultura, e neste âmbito fazem parte integrante os valores, tradições e até as próprias ideologias políticas. Repararam nas bandeiras LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais) que estavam em Viena? Imaginam esse cenário na Rússia? E na Suécia? Penso que este ponto se tornou claro por si só.


Se no ano passado a vitória foi da diferença, igualdade e tolerância, este ano a vitória voltou a ser do novo país rei da Eurovisão (vai-te preparando Irlanda) e dos heróis das novas tecnologias. Já há muito que sabemos que a imagem conta na Eurovisão, mas acredito que a Suécia elevou isto a um novo patamar, onde o real e o irreal se misturam e maravilham o espectador.


Analisada que está a vitória, foquemo-nos noutros aspetos. Primeiro começo por falar da “revelação” do ano: Bélgica. Esta é a prova de que uma aposta nos jovens também pode ser muito proveitosa. Pessoalmente, nunca dei muito crédito ao tema, mas após vê-lo no palco eurovisivo fiquei encantada com a qualidade da performance. Foi atual, fresco e seguiu o mote da igualdade – algo muito comum nesta edição eurovisiva. 


A hospitalidade também se fez sentir, numa excelente receção à visitante Austrália. Um tema orelhudo, atual e bem interpretado. É verdade que não foi a melhor música da noite, mas acredito que deixou muito orgulhoso o continente australiano… Bem, pelo menos o continente europeu gostou. Teremos um regresso australiano em edições posteriores? Acredito que sim, e penso que mais países se seguirão… A China já se prepara.


No campo dos temas bem conseguidos que não desiludiram na votação também podemos apontar alguns, para felicidade minha. Estónia, Noruega e Israel conquistaram um honroso Top 10. Tenho a certeza que ambicionavam mais, mas atendendo à forte competição, acredito que podem considerar que a “missão foi cumprida”. Três temas díspares, com registos próprios e que mostraram que na Eurovisão existe espaço, tanto para temas ritmados, como para poderosas baladas. 


Assim como temos justiças, também existiram temas injustamente pontuados na hora da verdade. E neste ponto não posso deixar de tecer a minha revolta para com o sexto lugar da Letónia. Tudo bem, o tema é diferente, a interpretação é minimamente original, mas aqueles agudos do refrão (que, inclusive, fizeram a minha casa estremecer) não me convenceram minimamente. Podia ser tema para Top 15, mas acredito que o sexto posto foi exagerado. 


Não poderia, também, deixar de falar da “favorita da casa”, pelo menos no que toca a aplausos. A Sérvia abanou com a arena, com uma mensagem forte num tema bastante ambivalente. Não sou particular fã do tema, mas cheguei a acreditar que iria lutar pelo Top 3. Penso que o 10.º lugar é justo, não pela qualidade do tema, mas pela mensagem transmitida e pelo próprio carisma da intérprete. Acredito que este tema tenha sofrido com o ataque russo ao poder, que acabou por “sugar” os pontos de alguns dos habituais aliados sérvios.


Agora vem a hora dos habituais “flops”, e no topo da lista não posso deixar de incluir os nossos vizinhos espanhóis. Forte aposta, intérprete carismática, num esforço (acredito eu) de voltar a trazer a Espanha à luta pela vitória. No entanto, tudo correu mal! Desde o facto de o tema não ter sido recebido com o entusiasmo esperado, a interpretação em palco acabou por deixar a desejar (eu compreendi a parte da interação com o público, as luzes e afins, mas no fundo acabou por saber a pouco) e o tema deixou-se cair no esquecimento. Não basta ter uma boa voz, que ecoa por todo o refrão, é necessário algo mais, incluindo mais letra (“EEeEEeO” é pouco e muito repetitivo). Mesmo assim, friso que o 21º lugar é muito pouco! Por falar em desilusões… Aquela interpretação albanesa arrasou por completo com a piada do tema. Já vimos a Elhaida Dani a fazer muito melhor. Os nervos são tramados, e cantar para 200 milhões de telespectadores não deve ser nada fácil.


Os zero pontos austríacos também não era coisa que se fizesse ao anfitrião, que mesmo não tendo levado a Conchita (que belo seria este regresso, melhor que o da alemã Lena), trouxe-nos um tema bastante agradável, numa atuação sóbria, da qual não foi poupado o piano – já agora, alguém viu o Beatle perdido a tocar guitarra pela Áustria? Brincadeirinha


Passando a outros aspetos, analisemos a participação portuguesa. Pouco se podia esperar, e o 14º lugar acabou por ser um resultado natural. Que faltou às nossas cores lusas? Praticamente tudo, o mais fácil acaba por ser falar do que correu bem. Duas coisas correram bem: o guarda-roupa da intérprete (boa escolha) e a escolha da própria intérprete. Leonor, tão jovem e já com tanta segurança, garra e qualidade vocal. Cheguei a torcer pela passagem portuguesa, mais do que por puro patriotismo, mas para presentear a excelente representação que Leonor nos proporcionou. De resto, tudo correu mal. Cenário pouco cativante, tema que apenas nos mantém “agarrados” pelos primeiros 40 segundos (é uma música mais adequada para “consumo” interno), coro mal estruturado e pouco investimento na divulgação. Portugal, eu amo a Eurovisão e amo o meu país, mas parece que estas duas paixões não são compatíveis. Como portuguesa, aconselharia a RTP a desistir da Eurovisão – chega de gastar dinheiros públicos em “passeios” da delegação, chega de pagar a supostos músicos que de música europeia pouco percebem, chega de mal representar um país! Prefiro passar a ver a Eurovisão pela internet ou através de canais estrangeiros, a ter de seguir uma emissão com comentários (pobres!) em português, e com o meu país a ser constantemente enxovalhado no estrangeiro (para isso já basta sermos “lixo” em termos económicos). Não levem a mal este desabafo, apenas não nos podemos continuar a enganar, e para todos os efeitos somos o país mais mal sucedido na Eurovisão: desde 1964 no fundo das tabelas qualificativas.


Por falar em Portugal e na emissão da Eurovisão…. Quem se atreve a referir que os comentários portugueses durante as transmissões foram de qualidade? Cada vez mais sinto a falta de Eládio Clímaco! Hélder Reis apático e repetitivo – um jornalista deve ser imparcial, mas a um comentador eurovisivo não se pede o mesmo, pede-se algum atrevimento e arrojo, procurando respeitar gostos alheios. Ramón, um suposto entendido de música, que aparentemente sabe o que os europeus gostam, mas que tarda em aplicar esses conhecimentos na prática. A Estónia, segundo este produtor musical, é uma fraca aposta, inferior ao tema português... Aparentemente, eu que sou uma mera fã, percebo mais destas coisas que este senhor, que é responsável direto pela escolha do tema português. Depois admiramo-nos com os nossos fracos resultados. Se querem bons comentários, isto se nos mantivermos em lides eurovisivas, levem alguém que perceba e acompanhe a Eurovisão e que consiga dizer, com sinceridade, que efetivamente este é o maior concurso de música a nível mundial – haja paixão!


Por fim, falemos da produção austríaca. Não foi das melhores, mas efetivamente já assisti a eventos mais pobres. A apresentação foi satisfatória, com momentos infelizes em que ocorriam tentativas falhadas de introduzir humor. Ponto positivo pelo arrojo de apostar em três mulheres na frente do programa, com Conchita a espalhar charme junto dos participantes – é uma comunicadora inata e uma verdadeira rainha eurovisiva! A realização nem sempre foi feliz, com passagens mal temporizadas entre diferentes segmentos da emissão, mais ainda, não podemos esquecer as bandeiras a tapar a visualização das performances – se isto foi propositado, para dar a noção da febre dos eurofãs, foi muito mal planeado! Ainda em aspetos negativos, tivemos as dificuldades na hora das votações (a começar pela nossa Suzy), além da apatia na divulgação dos finalistas (para isso, davam logo a lista completa). 


Voltando à hora das atuações, e já circulavam rumores disto, os aplausos gravados… Todas as atuações tinham, em momentos chave, um uníssimo de aplausos que nem sempre se coadunavam com o estado de espírito expresso na cara da plateia. Tudo bem que queremos dar espetáculo, mas sejamos honestos – até porque os eurofãs são bem animados, e já chegam para fazer a festa. Outro indício claro de “manipulação” foi a própria ordem de apresentação de votos, que nos levou a dar uma vitória garantida à Rússia, tendo sido guardados para o final os “aliados” suecos, que deram a punhalada final nas aspirações russas – e que alegria foi para a plateia, e certamente para milhares de espectadores. Dou nota positiva à Áustria, pela envolvência que procurou dar ao evento, com boas atuações de intervalo e vídeos divertidos (aquela tour por Viena com os animais de estimação foi muito boa), mas existiram aspetos que deixaram a desejar e que demonstraram alguma falta de prática nestas andanças – para o ano a Suécia compensará!


Concluindo: sob a ameaça da vitória russa, a Suécia arregaçou as mangas e voltou a provar a sua supremacia. Se a Irlanda dominou na década de 90, esta nova geração eurovisiva é da Suécia, e não parece que tal vá mudar – especialmente quando outros países encomendam temas a suecos. Tal como em 2012, com Loreen, a Rússia arrecadou o segundo lugar, e tal como em 2012, no ano anterior a Suécia havia arrecadado um terceiro lugar. Coincidências à parte, esta foi a consagração dos heróis da vida real… Aqueles que não voam, mas que, com esforço e talento, colocam milhões de pessoas a cantar e a dançar, esquecendo os seus problemas, mesmo que por apenas três minutos. Este ano o meu coração foi italiano, no entanto, celebro a vitória sueca, o meu país de sempre na Eurovisão e que a cada ano fortifica o seu reinado eurovisivo.


Recordemos o tema vencedor:


Imagens/Vídeo: Eurovision.tv
24/05/2015

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