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[Comentário] FC 2020: Às vezes, não entendo o júri do Festival da Canção


Nunca, nem se pense que algum dia conseguiremos ter o maior dos consensos entre uma votação de um painel de jurados, seja ele pequeno ou grande, e o televoto. Nem mesmo com Salvador Sobral, que acabou por arrebatar a Eurovisão, isso aconteceu. Mas há casos e casos, e o da noite de ontem, final do Festival da Canção 2020, foi completamente enigmático e, claro, descarado. Não sou especialista musical, mas qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento não viria a classificar a Bárbara Tinoco em 5.º/6.º lugar. Ponto. E quanto ao voto em massa para Filipe Sambado, por muito característica que pudesse ser a música, a discrepância para com o televoto tem de ser explícito de algo mais.

Vamos por partes. Como já apresentei no lead deste comentário, não sou especialista musical, e por isso, não me sirvo das minhas aptidões para me classificar, aqui, como o maior entendido neste ambiente, e para atirar à cara o que de mal se passou na noite de ontem. Mas, simultaneamente, acho que também não sou nenhum ignorante, e a minha longa ligação à música, pelo menos, há-de ajudar-me a explicitar a minha ideia, tal como me deixou perplexo ao longo da noite de ontem.

Apenas quero comentar o seguinte: o que acontece com o painel de jurados do Festival RTP da Canção (FC) é, no mínimo, estranho, sobretudo quando, ao passarmos de uma gala para outra, há uma panóplia de discrepâncias que são, no mínimo, injustificáveis. Por que é que isto acontece? E será que ninguém se apercebe, no mínimo, que isto acaba por minar a tarefa à qual se propuseram desde 2017? Voltar a ligar o Festival às pessoas, anunciavam. Se até eu, fã acérrimo, fico com vontade de me desligar, imaginem quem vê mais esporadicamente, mas que, claramente, se apercebe da falta de coerência.

Ano a ano, vamos só ver o que aconteceu...

Mas essa falta, senhores, existe há muito. Rapidamente: em 2017, Viva La Diva (VLD) venciam a primeira semifinal do RTP - Festival da Canção, depois de favoritos no televoto (como voltou a acontecer na final), e com a classificação de 10 pontos do júri de sala. Na final, o júri regional (que, note-se, votava com base nas atuações das semifinais), saiu com um 5.º lugar e 6 pontos para "Nova Glória". Efetivamente, a atuação de VLD na semifinal ficou longe de culminar na perfeição, obviamente, mas já aí, a diferença deixava algumas dúvidas, abafadas pelo histerismo da vitória de Salvador Sobral (que, claro, ainda bem que aconteceu!).

Em 2018, queríamos era saber da Eurovisão, e, sinceramente, será o ano que mais escapa a esta tendência que aqui apresento, onde votos de júri nas semifinais e na final (que são grupos diferentes, volto a realçar), esteve em maior consonância, e não mostrou discrepâncias relativamente notórias. 

Chegamos a 2019, e sobre a votação neste ano, já cheguei a mencionar um pouco [AQUI], depois de termos entrado numa depressão com o flop de Conan Osíris. Mas, recordemos: o autor de "Telemóveis" foi classificado em 4.º lugar, com 7 pontos, na primeira semifinal do FC 2017, atrás de Ana Cláudia, Calema e Matay. Lá fora, novo histerismo, com o povo estrangeiro a dar salvas a Conan Osíris e ao telele. Na final, por muito que a maioria nem se queixasse, Conan dá um salto brutal em comparação com a classificação dos júris da semifinal, e vem para o primeiro lugar da pontuação do júri regional, perto, muito perto da classificação máxima! No reverso da medalha, os Calema têm uma queda abissal (a atuação na final também não ajudou, obviamente), e há uma passagem de um 2.º lugar do júri de sala, para um 7.º lugar do júri regional. Mesmo assim, a notar.

Conan Osíris venceu o FC 2019 com pontuação máxima do júri e do televoto, na final da competição

Agora sim, 2020. Este ano, a tendência só nos chegou à pouco. E aqui, obviamente, para falar de Bárbara Tinoco. Com a publicação total dos resultados das semifinais, divulgado recentemente pela RTP, o que temos é o seguinte: A cantora de "Passe-Partout" teve 8 pontos do júri de sala da SF1 do FC 2020, que, somado aos 12 pontos do televoto, culminou nos 20 pontos finais, o mesmo de Elisa, que, com 10 do júri, terminou à frente. Na final, Bárbara dá um ligeiro tombo nos júris, que decide classificar o tema em 6.º lugar (!!), que seriam 5 pontos, mas, no empate com Throes + The Shine, converte em 6 pontos, também. E é aqui que começa a festa...

Às vezes, não entendo o júri do Festival da Canção

É aqui que o meu cérebro entra em colapso. Vamos primeiro a uma definição. O que é um painel de jurados, ou o que se espera de um painel de jurados... :

"Coletividade encarregada de avaliar a qualidade, o mérito, etc. de algumas pessoas ou de alguma coisa (ex.: o filme ganhou o prémio do júri)", de acordo com o Dicionário Priberam. 

Depois, há ainda uma vertente, que é sempre alvo de várias lutas, sobretudo no contexto Eurovisão: o gosto musical; Somando as duas, a pergunta tem de ser, obviamente, a mesma - "Passe-Partout" era, efetivamente, a segunda pior canção das oito que desfilaram ontem? Para vários jurados, sim! E quem fala sobre isto, menciona também o júri de Lisboa e Vale do Tejo, a considerar "Medo de Sentir" como segunda pior canção da noite, também. E então, no meio disto tudo, eu prefiro continuar muito leigo e dizer que não percebo nada de música, nem que seja só para não me alinhar com o que se viu ontem.

Sem discriminar quem alinhava nos vários grupos de jurados das sete regiões chamadas para avaliar (que, mesmo assim, já teve melhores dias, mas que sei eu?), a verdade é que o momento da votação dos júris teve de ser, no mínimo, sui generis. Bárbara Tinoco finaliza em sexto lugar com apenas 46 pontos, depois convertidos em 6 pontos. Pergunto: a sério? Ouviram o mesmo que eu? E prometo estar a comentar com a maior isenção possível. A sério?

Quadro final com as pontuações totais do júri regional FC 2020

Do outro lado, Filipe Sambado, com 12 pontos de cinco regiões, 10 pontos da Madeira, mas apenas 6 do Alentejo (os restantes colegas de trabalho ficaram bem incomodados com a situação). Se, efetivamente, acho até merecido algum destaque ao cantor, simultaneamente, isto não me passa pelo gôto, como se costuma dizer, e tem de haver qualquer coisa de relativamente estranho. A música é boa, a letra avant garde, mas, pensemos na cenografia. Não é só um jeito de fazer passar melhor a canção? Onde é que nos explica o tema da canção? Vamos só simplesmente votar "Porque a música é uma arma de intervenção", "Porque o Filipe Sambado trouxe exatamente o que pensamos que a música deve ser", "Porque ele enfrentou os ecos extremistas da atualidade", e descuramos por completo um staging que, apesar de inovador, nada tem que ver com o tema que nos apresenta?

Desde quando?

Em suma, não me choca, na verdade, que o 'mito exagerado' tenha conquistado um grupo de (pseudo)intelectuais, que se gabam de fazer parte da lista (cada vez mais curta) de contribuintes para o "excelente estado de saúde da música portuguesa" e os jornalistas mais especializados, os verdadeiros entendidos na matéria, também. Os que, "pelo engenho e arte", ficam acima do povo. Choca-me um pouco, sim, alguma falta de coerência, que já não é recente, e continua a tirar sabor a este Festival. O Filipe merecia 12 pontos, mas "Passe-Partout" jamais merecia 6 pontos.


No final, venceu a Elisa. E venceu bem!


E a Elisa acaba por vencer, porque, no meio de tudo, agrada a gregos e a troianos, e no clima de tumulto que se vive cada vez mais à volta do mercado musical, sabíamos que era uma música que iria acabar por agradar, nem que fosse muito, pouco, ou medianamente. Não era a toa que estava no leque das mais ouvidas em plataformas de streaming. Uma canção que, nos dois espetáculos onde se apresentou, nunca conquistou o favoritismo, mas, às vezes, não precisamos disso para conseguir singrar.

Elisa, Marta Carvalho e restante equipa de "Medo de Sentir", no momento da vitória, em Elvas

Mais que tudo, é preciso não ter medo de nada, agora. E perceber que o Festival da Eurovisão é também a competição das surpresas, que também tem jurados incertos, mas, ao mesmo tempo, votações populares que podem sair fora da caixa, com surpresas ano após ano. 

Ainda é longo o caminho até Roterdão, com muitos estudos (necessários) pelo meio, mas é, ao mesmo tempo, altura de dar tempo. Aguardar. A vitória está consumada, hajam ou não estes reparos. Assim ficou premeditado, e o que virá a seguir, apenas o apoio estará nas nossas mãos. Algo importante, e merecido, para as novas representantes de Portugal na Eurovisão, em 2020! 

Pedro Damasceno Lopes - ESC 38N

Imagens: RTP/ Flash/ SAPO Magg/ Espalha-Factos
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