[Especial] Todas as referências da letra de "Passe-Partout" de Bárbara Tinoco

Bárbara Tinoco irá interpretar a canção "Passe-Partout", composta por Tiago Nacarato, na primeira semifinal do Festival da Canção 2020.

"Passe-Partout" criou, desde a hora da sua revelação, uma legião de fãs prontos para levar Bárbara Tinoco a Roterdão.  Conheça as referências da canção de Tiago Nacarato: 

"Passe-Partout" é nomeada pelos seus fãs como "genial" e pelos seus críticos como "snob". Existirá um mundo em que nenhum dos lados está errado?

Disclamer: O que se segue é uma interpretação pessoal, sem qualquer valor de verdade absoluta.

Sobressalta desde o primeiro som de violino cantando melodias de 1920 que "Passe-Partout" não se tenta encaixar em qualquer caixa já criada nos últimos anos de Festival da Canção. Uma tamanha intenção de se diferenciar não existirá, com certeza, despegada da intenção de contar uma história, não além da overdose referências, mas sim a partir da overdose de referências. 

Tanto o género musical como a letra parecem contar uma história de uma personagem feminina que nos é familiar, mas que nunca nos foi apresentada fora da lente de um protagonista masculino. 

"Manic Pixie Dream Girl"

A "manic pixie dream girl" (MPDG) é um estereótipo de personagem fictícia feminina em filmes de Hollywood. Sendo uma personagem com uma personalidade com peculiaridades e gostos excêntricos, a "manic pixie dream girl" serve apenas para expor o protagonista - normalmente representado como uma pessoa monótona - a novas experiências que o façam apreciar e refletir sobre a sua própria vida.

Kirsten Dunst em Elizabethtown (2005)
deu início ao termo "manic pixie dream girl".

A verdade é que estas personagens femininas apenas existem como projeção no olhar de um homem que desesperadamente necessita de alguém que o transporte ao colo até à epifania do início do seu final feliz. Neste caminho de auto-descoberta, raramente existe espaço para a mulher ter uma  personalidade para além do necessário. Portanto, o que acontece  quando acaba o filme e o protagonista e a MPDG ficam juntos? O que acontece quando ele descobre que a rapariga pela qual ele está apaixonado é... humana? O que acontece quando a MPDG descobre que ele é, na sua natureza, camião a menos para a sua areia? "Passe-Partout" acontece.

"Passe-Partout" não nos dá respostas, apenas nos dá contexto e espera que conectemos as peças do puzzle. Tiago Nacarato não nos diz por quem torcer, embora seja natureza humana torcer pela personagem que canta a narração. 

A personagem da Bárbara sabia que estava a ser posta num pedestal, que estava a ser idolatrada por alguém cego à sua condição humana:

"eu que nunca fui muito de rezar

mas mesmo assim subi pra cima do altar"

A falsidade da relutância em ser louvada como ser perfeito é realçada todos os versos em que Bárbara demonstra a sua superioridade intelectual, seja na sua cultura literária (“O Retrato de Dorian Gray”, Jean-Baptiste “Molière”), musical (Vinicius de Moraes, Django Reinhardt, Piaf), cinematográfica (Georges Méliès), artística (Marcel Duchamp, Barber). 

Em "Passe-Partout", Bárbara não nos dá uma boa justificação para deixar o namorado, seja:

"e se alguém perguntar porque desapareci

diz que não estou mais para anormais e que fugi de ti" 

ou 

"digo agora adeus a esse olhar tão banal".

Frases um pouco maldosas, quase maníacas (que expressa mania, estado de superexcitação do psiquismo, que resulta na exaltação do temperamento e em impulsos instintivos), dignas de uma comum "manic pixie dream girl" fora do prazo do filme sem sequela.

Voltando à questão inicial:

"Passe-Partout" é nomeada pelos seus fãs como "genial" e pelos seus críticos como "snob". Existirá um mundo em que nenhum dos lados está errado?

A minha resposta é 'sim, absolutamente'. A letra de "Passe-Partout" é genial por ridicularizar o "snobismo" da personagem feminina nas entre-linhas. Sim, uma jovem de 20 anos ler “O Retrato de Dorian Gray” e dançar ao som de "Sultan Of Swing" de Django Reinhardt é subtilmente cómico, subtilmente genial.