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A Eurovisão e o Festival da Canção na imprensa nacional - 1972 e 1973




1972 – Finalmente houve festa!

      Depois de alcançado o melhor resultado de sempre, as expetativas estavam em alta para a edição seguinte do Festival RTP.


      A emissora recebeu 267 canções, e o júri de seleção escolheu as oito melhores. Curiosamente, e pela primeira vez, houve um Festival só com homens! Foram os seguintes:

Canção nº 1 – “Vamos Cantar de Pé” – Paco Bandeira
Canção nº 2 – “Cidade Alheia” – Duarte Mendes
Canção nº 3 – “Vem o Caminheiro” – Manuel Vargas
Canção nº 4 – “A Festa da Vida” – Carlos Mendes
Canção nº 5 – “Esta Festa das Cidades” – João Henrique
Canção nº 6 – “Amor de Raiz” – João Braga
Canção nº 7 – “Dentro da Manhã” – Fernando Tordo
Canção nº 8 – “Se Quiseres Ouvir Cantar” – Tó Zé Brito

Era, apesar de tudo, um leque jovem, e isso agradava sempre à imprensa. Contudo, as artistas femininas depressa se manifestaram.
    Simone de Oliveira disse, à Plateia: “acho que a presença feminina faz falta. Dá uma nota de charme”. Mafalda Sofia era atriz e cantora, mas nunca esteve no Festival (“eu é que não me quero meter nisso”) mas arrasou o domínio dos homens: “…servimos para tudo e não servimos para o Festival?”. Maria José Valério achou graça e diz que não seria por isso que haveria menos nível.
Paco Bandeira era o nome mais conhecido, já com boa carreira antes desta participação. Ele ia, aliás, contar com o apoio do coro que também acompanhara Massiel em 1968. Manuel Vargas e João Henrique eram estreantes nestas lides. O primeiro era de Paris, e iria cantar um tema que esteve para ir para Sérgio Borges; o segundo compunha habitualmente para Paulo de Carvalho, e a sua canção foi primeiro dada a Carlos Mendes.
Este mudara de ideias e aceitou competir no FC. Depois do seu “Verão”, dedicou-se ao curso de Arquitetura (que não tencionava deixar, mesmo que ganhasse novamente o certame) e pouco mais cantou. Aceitou “Festa da Vida”, que Paulo de Carvalho recusou, pela diversão e pelo cachet, que era “muito razoável”. A sua canção foi orquestrada pelo inglês Richard Hill e agradava-lhe imenso: “não há dúvida de que a canção que vou defender este ano é incomparavelmente superior à que levei em 1968”. Mendes vivia uma boa fase, depois de ter “roubado” a namorada de Fernando Tordo, Ana Maria Lucas.


Como habitualmente, as revistas dedicaram dezenas de páginas à apresentação dos intérpretes e das equipas participantes. Tal como acontecera em 1971, neste ano houve predominância de maestros estrangeiros: foram cinco e apenas dois portugueses.
O Festival, apresentado por Carlos Cruz e Alice Cruz, decorreu a 21 de fevereiro no S. Luiz, com transmissão também para a rádio. Cerca de 1200 pessoas assistiram à gala, todas elas convidadas. A paixão pelo concurso era tanta que houve quem oferecesse dinheiro aos seguranças do teatro para poder entrar!
    Como sempre, ia haver artistas convidados: desta vez foi a fadista Teresa Silva Carvalho e os brasileiros Elizeth Cardoso e Zimbo Trio. Ao contrário dos anos anteriores, os convidados iniciaram o espetáculo, empurrando a competição para mais tarde. O programa começou às 22h, mas Paco só cantou às 23h45. Pelo meio houve um problema com as luzes, que obrigou a uma curta paragem.
      Este ano, a votação foi um pouco diferente. Primeiro votou o júri de seleção da RTP, e depois veio a votação distrital; contudo, em vez de os júris estarem nos seus distritos, vieram até aos estúdios do Lumiar e comunicaram a partir daí os votos. Dois jurados por cada distrito: 27 homens e 9 mulheres.
Como havia mais um grupo a votar, não admira que o total de votos fosse maior. “A Festa da Vida”, de Carlos Mendes, recebeu logo 55 pontos do júri de seleção e nunca mais perdeu a liderança. Ganhou com uma vantagem de 150 pontos sobre Paco Bandeira.


     Duas entradas, duas vitórias. Carlos Mendes, ainda que levasse a música na desportiva, estava feito para vencer, mesmo que não esperasse este triunfo. Ficou satisfeito, é claro; disse que tinha já “a canção pronta para Edimburgo” e pedia só promoção, uma vez que só assim podia ganhar. Sobre a votação, confessou: “não cheguei a perceber muito bem como é”. Mas também que importância tinha isso?
   Houve pela primeira vez o Prémio Interpretação, que foi para Duarte Mendes, várias vezes considerado pela imprensa a melhor voz nacional.
      A vitória de Carlos foi amplamente elogiada: ex-concorrentes (Ary, Jerónimo Bragança, Duo Ouro Negro, Tonicha) deixaram elogios à música, poema e interpretação. O Século, apesar de ter dedicado um pequeno espaço na sua capa ao assunto, disse que esta edição e vencedora foram as melhores de sempre. Os concorrentes desta edição não se mostraram contra o vencedor, mas Fernando Tordo foi mais longe nas suas declarações. Disse o cantor ao Diário Popular (DP): “de uma coisa tenho a certeza: é que foi a última vez que participei no Festival”


     Correia da Fonseca, um crítico que escreveu para a Flama, disse que a diferença de 150 votos “não significa que «Festa da Vida» foi a melhor, mas que foi a única” de jeito a concurso.
     O trabalho da imprensa foi, desta vez, muito mais contido do que anteriormente. A RTP proibiu os jornalistas de tirar fotografias nos ensaios, o que fez reduzir em algumas páginas o espaço dedicado ao festival. 
    O Festival Eurovisão da Canção iria realizar-se na capital da Escócia, Edimburgo, no dia 25 de março. Rainier III e Grace Kelly fizeram as contas e viram que mais valia recusar organizar o certame no Mónaco. A BBC não teve outro remédio se não em aceitá-lo, mas isso teve a ver com outro problema: a maior rival desse canal, a ITV, estava interessada em organizar o ESC, em Londres. Não querendo peder o seu lugar no concurso, a BBC disse logo que “sim” ao certame e quis levá-lo para Edimburgo. Segundo a Flama, o canal teve de dar umas boas libras para que a cidade aceitasse o Festival. Ainda assim, a BBC não contava ter esta despesa e fez um ESC low-cost (só custou 2100 contos).
   Nas semanas que antecederam o grande espetáculo, a equipa portuguesa apostou na promoção. Comandada novamente por Carlos Cruz, a publicidade a Carlos Mendes custou 500 contos, um valor considerável para a altura.
     Carlos Mendes gravou o seu tema em inglês e francês. Além disso, foram feitos vários cartazes com fotografias dele. Muitos deles foram expostos nos estabelecimentos da principal rua de Edimburgo, Princess Street, como conta o Século Ilustrado (SI). Os cartazes de Carlos só rivalizavam com os dos britânicos, os The New Seekers. Além disso, 547 cinemas do Reino Unido passaram um pequeno filme de dois minutos sobre a passagem de Carlos pelo aeroporto de Londres. Mais ninguém teve tanta promoção. O cantor mantinha-se humilde: “vou cantar sem pretensões e sem pensar concretamente nesta ou naquela classificação”.

Fotos de Carlos nas montras

    A delegação portuguesa (novamente a maior, com 43 pessoas, entre jornalistas, comentadores e membros da RTP) foi muito bem recebida na Escócia. Aliás, todas foram, menos a Irlanda. Os irlandeses não tiveram ninguém da organização à espera no aeroporto, ao contrário das outras. Era época de muita discussão sobre a posse da Irlanda do Norte…
     No espaço reservado à imprensa havia um cartaz afixado, onde se lia: “logo à noite, chegará a «Festa» a Edimburgo”. Depois da chegada dos portugueses decorreu uma reunião com a imprensa onde Carlos se apresentou e onde se deu material promocional (fotos, biografias, discos).
     Na cidade estavam já as delegações dos outros 17 países. O Reino Unido (7-2) liderava as apostas, Portugal (33-1) era último. Mais perto do espetáculo, a Áustria, o Luxemburgo, a Finlândia e a Suécia começaram a ganhar importância.


Apesar da paixão pelo jogo das apostas, a cidade de Edimburgo não se mostrou muito excitada com o Festival. O concurso bateu-lhes à porta por acaso e o dinheiro era pouco, por isso não houve cocktails oficiais e o banquete pós-festival ficou reservado só às delegações (jornalistas ficaram na rua). Só os jovens, quando saíam da escola, iam a correr para o Usher Hall ou para os hotéis para poderem estar com os artistas. Houve um grupo que, contudo, protestou contra o ESC e a poluição.
    Este afastamento da essência eurovisiva notou-se num episódio muito curioso. Estava a ser preparada uma festa para depois da final, que certamente iria ter início já na madrugada de domingo. Acontece que a lei escocesa impedia a venda e consumo de bebidas alcoólicas aos domingos. A BBC tentou falar com os responsáveis do município, para fecharem os olhos desta vez, mas o chefe da polícia local manteve-se obediente à lei e impediu que na festa circulassem bebidas com álcool.


       Os portugueses, pelo contrário, tinham sempre interesse no concurso, mesmo quando não pareciam acreditar na canção… O DP entrevistou pessoas em Lisboa sobre quem ganharia o ESC. As canções já haviam sido apresentadas antes na RTP, era obrigatório. Houve apostas diversas, mas unanimidade quanto a Portugal: “não temos jeito para aquilo”, disse uma senhora; “tem uma música um bocado monótona”, opinou outra; “a nossa? Não, não vejo qualquer hipótese”, pronunciou uma jovem; “a nossa é de uma alegria fingida”, comentou um senhor.
      Enquanto os jornais portugueses publicavam páginas e páginas com biografias dos participantes e com informações sobre as aventuras de Carlos Mendes, os júris estavam a viver como se fossem prisioneiros. A BBC proibiu-os de conviverem com as delegações, já que no ano anterior tinha havido algumas queixas sobre supostas compras de votos (nada confirmado). Assim, em vez de votarem no Usher Hall, à frente do público, iam votar no castelo de Edimburgo, seguindo as mesmas regras do ano anterior. Contudo, alguns jurados apareceram numa festa organizada pela comitiva portuguesa. É que a BBC não lhes cortou o telefone…

                                                                    Carlos dá um autógrafo a um fã, na Escócia

     A polícia esteve muito presente, circundando o teatro muitas vezes e vigiando com atenção. Deviam estar a prever qualquer coisa, que de facto chegou a acontecer. 
      Primeiro, um intruso entrou nos bastidores poucos minutos antes da gala e perguntou “por que razão estamos aqui nós, e tantos outros, com mais direito (…), ficaram lá fora?”. A polícia interveio mas não conseguiu retirá-lo. A emissão decorreu com ele lá dentro. 
       Depois, na atuação espanhola, ouviu-se na plateia, na zona onde estavam os irlandeses, o ruído de bombas, como as do Carnaval. Além disso, cheirava a pólvora. Instalou-se o pânico e algumas pessoas abandonaram o local, ainda que a polícia tenha dito que estava tudo bem. As análises provaram mais tarde que se tratava de “sais de potássio, que geram explosão por compressão”. Pensou-se que pudesse a IRA (Exército Republicano Irlandês) a protestar contra a participação da Irlanda.
       Pela primeira vez, o programa chegou a cores ao emissor da RTP, em Monsanto. Era evidente que só podia ver a cores quem tivesse um televisor para o efeito: só havia 30 em Portugal.
      Com pouca ou muita cor, milhões de portugueses (que se juntaram aos cerca de 400 milhões de espetadores por todo o mundo) viram o desfile de canções e a votação.
       “Après Toi”, de Vicky Leandros, somou 128 pontos e ganhou a Eurovisão. Era uma vitória que, tal como a de 1971, acentuava a ideia de um “euromercado da canção”, como diz o Diário de Notícias (DN). É que Vicky é grega, a letra foi escrita por um francês e a música por um alemão. E todos representaram o Luxemburgo.


    “Nunca pensei ganhar este Festival”, dizia a cantora. “Não sou capaz de acreditar. Tantos fotógrafos…” Segundo a imprensa, Vicky era muito tímida e, ao ser recebida por tantos jornalistas, quase desmaiou. Mais tarde, disse que esta vitória foi a desforra de 1967, quando ficou em 4º lugar. Sobre a canção, disse que sempre gostara dela: “sentia que era uma canção com possibilidades”. E não descartou um regresso: “se tiver outra oportunidade, não deixarei de voltar à Eurovisão”.


      Carlos Mendes conquistou, surpreendentemente, o melhor resultado de Portugal até então: 7º lugar com 90 pontos. O cantor ficou visivelmente contente: “estou satisfeitíssimo”, disse aos jornalistas, confessando que tudo correu melhor neste ano do que em 1968. Ana Maria Lucas partilhava a alegria e Carlos Cruz disse que “foi uma grande vitória”.
      Para comemorar o bom resultado, os portugueses separaram-se dos outros países e foram jantar a um restaurante italiano, onde ignoraram a lei do álcool.
      No dia seguinte foram muitas as páginas na imprensa sobre as emoções da gala.


      O DN disse que foi “o mais equilibrado dos Eurofestivais. O melhorzinho”. No artigo escreveu que o 7º lugar foi “uma espécie de «ganhar moralmente»”, uma vez que ele contava que Portugal saísse prejudicado por questões políticas (aliás, Carlos foi muitas vezes abordado pelos media na Escócia sobre a política portuguesa). Sobre o espetáculo, o jornal criticou o palco, dizendo que foi feito só para quem tinha TV a cores, mas diz que o ritmo da gala foi “simplesmente admirável”.


    O DP elogiou a canção vencedora: “«Après Toi» vivia de uma música bem construída”. Sobre Carlos, o jornal disse que se notara algum nervosismo, mas que o cantor “deixou-se do dramatismo exibido em Lisboa, foi mais alegre e gritou menos”. Destaque ainda para uma parte em que o jornalista descreveu as cores dos vestidos, para aqueles que não puderam ver a emissão colorida.
    Para a Plateia, este festival pode ser descrito como “o Morno”. Face à organização de outros países mais pobres, esta deixou muito a desejar. “A BBC cometeu pequenos deslizes imperdoáveis”, como o fim do banquete pós-festival e o isolamento dos júris. Por outro lado, elogiou o esforço nacional, dizendo que a promoção é indispensável e que a RTP fez bem em ter apostado nisso. Quanto ao nosso artista: “Carlos Mendes, que não nos havia agradado no festival caseiro, venceu-nos e convenceu-nos”.
    O enviado especial da Rádio e Televisão (R&T) também aplaudiu a RTP: “a equipa funcionou perfeitamente, sem um atropelo, sem um azedume”. 

1973 – E assim se fintou o touro

      Com elevadas expetativas para melhorar o melhor resultado de sempre, a RTP pôs em marcha mais um Festival da Canção, que ia já na sua 10ª edição.
    Alice Cruz e Artur Agostinho, que se estreava na condução do concurso, apresentaram a 26 de fevereiro, a partir do Teatro Maria Matos, as seguintes canções:

Canção nº 1 – “A Rapariga e o Poeta” – Tonicha
Canção nº 2 – “Menina de Luto” – Mini Pop
Canção nº 3 – “Tourada” – Fernando Tordo
Canção nº 4 – “Minha Senhora das Dores” – Luís Duarte
Canção nº 5 – “É Por Isso Que Eu Vivo” – Paco Bandeira
Canção nº 6 – “Semente” – Paulo de Carvalho
Canção nº 7 – “Cantiga” – Improviso
Canção nº 8 – “Gente” – Duarte Mendes
Canção nº 9 – “Carta de Longe” – Fernando Tordo
Canção nº 10 – “Apenas o Meu Povo” – Simone de Oliveira

      Apareciam apenas pela primeira vez os Mini Pop, Luís Duarte e os Improviso.
     Os Mini Pop eram realmente minis: três irmãos e um amigo com idades entre os 10 e os 15 anos. Confessaram nas entrevistas estar nervosos, mas de nada lhes valia porque o regulamento do ESC só aceitava pessoas com mais de 17 anos. Luís Duarte cantava pela primeira vez na sua vida em português. Já participara em festivais no estrangeiro, mas sempre em inglês. Fialho Gouveia e a sua editora promoveram-no imenso; a sua canção esteve para ir para Carlos do Carmo. Por fim, os Improviso eram um grupo onde cantava Carlos Alberto Moniz.


     Regressados havia muitos, e vamos começar pelos que voltaram em peso. Ary dos Santos tinha nada mais nada menos do que seis canções a concurso (“se não ganhar, rio-me”, disse ele). Para esse ano, ele escrevera 40 canções e enviara à RTP 22. Fernando Tordo tinha quatro (duas na sua voz, feitas com Ary). José Niza e José Calvário (da “Festa da Vida”) tinham duas. Quanto aos artistas, era o regresso de Tonicha, Tordo, Paco, Paulo de Carvalho, Duarte Mendes e Simone.
     O regresso da última foi inesperado, e mereceu destaque na imprensa. Simone teve de se retirar devido a uma doença nas cordas vocais, e nessa altura trabalhou num jornal, na rádio e no teatro. Já recuperada, com 35 anos e 12 kgs mais magra, a cantora regressou ao Festival, com um tema de Tordo e Ary. “Quero que seja tudo tranquilamente”, disse à Flama, acrescentando que ia estar mais no teatro do que na música: “Nesta altura, prefiro a qualidade e não a quantidade” das canções. O seu estilo também mudara: menos gritado, mais interior. Disse ainda ter perdido metade do seu público anterior, mas não sentia saudades do passado. Passava a ser a artista com mais presenças no FC: cinco edições e oito canções.


     A respeito dos concorrentes, a Flama diz tudo na seguinte frase: “há, como sempre, os que não vão mas gostavam de ir, os que vão e era para não irem, os que vão só por ir e os que vão cheios de esperança”.
As editoras trabalharam imenso novamente. Havia spots na rádio, na televisão e na imprensa. O favoritismo, contudo, ia para “Tourada”, que era das menos promovidas.
   Pela primeira vez, a orquestra ficou fora do palco do festival. Antes do desfile das canções, cantaram os convidados: Teresa Tarouca cantou três fados e depois Gilbert Bécaud deu um espetáculo de mais de uma hora, a que se seguiu 45 minutos de intervalo para se retirar do palco todo o seu material. As pessoas fartaram-se tanto dele que a RTP recebeu vários telefonemas de pessoas a pedir que aparecessem as cantigas! Quem devia ter atuado era Charles Aznavour, mas uma queda nos Alpes levou-o ao hospital.


     Em 30 minutos se ouviram as canções, e depois o júri votou. 36 pessoas dos distritos, reunidas no Lumiar, e os nove elementos do júri de seleção deram as suas pontuações. Eles tiveram cinco chances para ouvir as canções: duas vezes em fita magnética, duas nos ensaios e uma na gala.
     “Tourada” venceu o Festival (ainda que só um dos nove jurados de seleção tenha votado nela). Na sua 5ª tentativa, Tordo conseguia o passaporte para a Eurovisão e 35 contos. Como não podia deixar de ser, quando foi receber o prémio, ele ouviu tantos aplausos como apupos. O público da sala queria Paco, que ficou só a 4 pontos da vitória. O prémio de interpretação foi entregue a Simone, que recebeu uma ovação e confessou preferir este prémio do que a vitória.


     Para os concorrentes, a vitória foi mais que justa. Foi como disse João Maria Tudela: “vitória da persistência de alguém que tem mantido sempre o nível”. Ary comentou que “mais do que qualquer outro, Tordo precisava – e merecia – ganhar. O rapaz andava muito em baixo, quase sem trabalho nem dinheiro”. No entanto, comentou que preferia que Tordo ganhasse com a sua outra canção, que ficou em 5º.
    Carlos do Carmo disse que foi o melhor festival a nível de poemas; José Niza achou que foi o melhor de sempre.
     Fernando estava eufórico e nervoso com a vitória. Aos jornalistas disse que “a ‘Tourada’ fazia falta” e que só pensava no Luxemburgo, mas reconheceu que a canção “não tem muitas hipóteses”, dado o nível habitual do ESC. Confessou que ao cantar teve um pequeno problema: “até se me prendeu a mão quando cantei a Tourada. Nunca me custou tanto cantar”, tal era a força com que pensava no público, o mesmo em quem iria pensar no Luxemburgo. Tordo não assistiu à votação, refugiando-se num bar perto do Teatro. Foi depois procurado pela produção quando esta percebeu que a vitória era possível, e ficou em choque com a notícia.
     Do lado dos perdedores, Tonicha, abalada e sozinha a um canto, dizia que não voltava ao FC. A mesma pergunta fizeram a Ary dos Santos, que afastou um possível regresso: “o festival é para novos e eles que apareçam”. Paulo de Carvalho não afastava um regresso e dizia que “Tourada”, apesar de gostar, não tinha “grandes oportunidades” no estrangeiro. 
      À porta do Teatro juntou-se uma multidão que gritava “lixo” e “fora” para o vencedor.
     As reações da imprensa foram muito diferentes. A Flama disse que foi a melhor interpretação que Tordo fez nos Festivais. A canção era “uma boa sátira, com música apropriada”. O nível do festival foi elogiado, sobretudo por causa das letras.
     O DN dá conta de uma certa deceção com “Tourada” pelo facto de ser muita letra para pouca música. O DP, na voz de Alice Vieira, disse que foi o festival “mais longo e mais aborrecido”, mas que ao menos premiou a melhor canção. Quanto ao prémio de Simone, diz que foi a “exploração sentimental do seu reaparecimento”.


    Curiosamente, o grupo que mais se opôs a “Tourada” foi… o dos toureiros. Estes e os aficionados ficaram verdadeiramente indignados com a canção, achando que ela manchava o bom nome da tauromaquia, vista como “tradição nacional”.
      No dia seguinte ao FC, o Sindicato dos Toureiros recebeu cartas e telefonemas de protesto ou a exigir uma vingança aos autores. O Sindicato marcou mesmo uma reunião extraordinária para ver como havia de lidar com o “crime”. Falou-se em ação judicial contra o letrista mas optaram antes por reclamar junto do Governo, para pedir a retirada de “Tourada” do ESC e mesmo das rádios. Alguns, mais do que a letra, achavam os gestos de Tordo condenáveis. Um grupo de 800 aficionados tentou mesmo fazer o seu protesto através da rádio, mas foram impedidos. “O que considero mais grave é o país ser representado no estrangeiro por uma caricatura de algo que é muito seu”, disse um.
     Havia neste grupo, contudo, quem entendesse a analogia da letra. Eram poucos. Diamantino Viseu disse: “nem depois de ter lido três ou quatro vezes o poema consigo encontrar (…) qualquer coisa que deslustre” a tourada.


     Ary dos Santos foi chamado para comentar esta surpreendente polémica. Como sempre, não teve papas na língua. Como já havia explicado ainda antes do FC, “Tourada” era “uma sátira de costumes ao nível social que nada tem a ver com a Festa”. Depois acrescentou: “é mesmo necessário que nada aconteça neste país para que isto assuma tão grande importância…”
     Mas os toureiros voltaram à carga: “não queremos saber das intenções. As palavras estão lá”. Costa Pinto, da editora de Tordo, apenas agradeceu a publicidade. Até Alexandre O’Neill opinou: “estão a enfiar uma carapuça que não lhes era destinada”.
      O certo é que esta não foi a única barreira que os vencedores tiveram de enfrentar. A canção esteve para ser eliminada, porque o Século publicou a letra da mesma. Acontece que o regulamento do ESC só impedia a publicação comercial das canções, em áudio, mas a atitude do jornal gerou confusão e a RTP teve de passar um comunicado nos telejornais. Leia abaixo o anúncio da RTP e resposta do jornal:


       Além disso, “Tourada” passou por acusações de plágio de um tema de Topol, de “Um Violino no Telhado”.
     Este foi o FC mais visto de sempre: mais de quatro milhões de pessoas, que deixaram as ruas desertas. Foi também um dos que registaram menor número de submissões: apenas 157. Isto aconteceu porque o canal exigia que se enviassem as gravações dos originais e isso afastou logo os amadores.
      Ultrapassados os problemas, era tempo de pensar no Luxemburgo. Fernando Tordo e o realizador Luís Andrade gravaram um vídeo promocional no Algarve, em Lisboa e em Sintra. Não muito mais foi feito: gravou-se apenas uma versão inglesa e francesa e fizeram-se algumas cópias de discos.
      De facto, a falta de promoção foi muito discutida na imprensa. Tordo foi o único concorrente sem ter fotos a cores como cartaz ou para distribuição. Além disso, os discos eram muito poucos face à procura. Isso deveu-se ao facto de os CDs virem em caixas de cartão, transportadas no meio das malas da delegação, e durante o transbordo no aeroporto de Paris elas literalmente “meteram água”, afetando alguns exemplares.
     Além disso, e embora 20 mil portugueses vivessem no Luxemburgo, não havia discos da “Tourada” à venda. O dossier de imprensa para apresentação do artista e da comitiva “era, de longe, o mais pobre e falho de imaginação” de todos, segundo o SI, que disse também que “quase tudo o que se fez neste campo tinha a marca da improvisação”.
Mas isso parecia não atrapalhar muito o nosso intérprete. “O que me interessa, fundamentalmente, é que as pessoas lá de fora se apercebam do tipo de canção que estamos a fazer aqui e das preocupações que temos”, dizia ele.
    Foram muitas as festas realizadas pelas comitivas, mas uma destacou-se: a da Finlândia. Eles fizeram a sua festa numa sauna, onde foram alguns portugueses.


     Nem só de coisas boas se fez a Eurovisão 1973. Israel participava pela primeira vez, logo um ano depois do massacre ocorrido nos Jogos Olímpicos de Munique. O risco de ataque à delegação israelita era tão elevado que a organização do ESC não se poupou a esforços para garantir que tudo corresse bem. Quando a cantora, Ilanit (que sabia falar português, por ter vivo em S. Paulo) chegou ao aeroporto, ela tinha à espera um cordão de segurança que nunca mais a largou. No hotel, havia guardas armados em todos os pisos e no exterior, bem como carros patrulha ali perto. No Grand Théâtre, os participantes e jornalistas eram revistados.


      Todo este cuidado com Ilanit, juntamente com o seu talento, fizeram Israel ganhar popularidade. Até os membros da orquestra, antes do primeiro ensaio, levantaram-se todos e gritaram “Shalom” (paz, em hebraico).
     O Reino Unido era, mais uma vez, o grande favorito. Fazia-se representar novamente por Cliff Richard, o que é curioso porque Fernando Tordo era grande fã dele e sempre se sentira inspirado pelo britânico. Tordo, aliás, ficou impressionado pela humildade de Cliff em participar quando tinha a carreira já solidificada.


     Contudo, Cliff deixou a delegação portuguesa e espanhola indignadas, porque ele queria usar playback, para os seus colegas de palco não terem de tocar. A organização acedeu.
       Sobre Tordo, pode dizer-se que a sua promoção acabou por ser feita durante a semana eurovisiva. Foi a bastantes festas e deu muitas entrevistas. Falou com a BBC porque especialistas de música do canal consideravam “Tourada” uma das oito favoritas a vencer. Além disso, e ainda que o instrumental tenha ficado idêntico, Tordo interpretou num dos ensaios a versão francesa da canção. Depois disso, a popularidade do tema subiu e músicos de outros países vieram felicitar Ary pela letra. Também a emissora holandesa convidou Fernando para visitar o país. Vale a pena dizer que Ilanit considerou Tourada uma canção “que se pode ouvir durante muitos anos”, por causa da sua mensagem. Cliff achou a nossa canção a melhor jamais levada por Portugal: “uma música diferente, mais ritmada e com arranjos orquestrais interessantes”. Por estas razões, o DN disse logo que Portugal era um dos favoritos.


   A Irlanda também esteve em destaque nesta edição. A cantora, Maxi, teve um grande desentendimento com o maestro. Ela dizia que a orquestra estava a tocar muito rapidamente. Por essa razão, o manager dela ameaçou retirá-la do concurso. A situação preocupou a RTÉ, mas a emissora depressa arranjou solução: quem cantaria o tema seria o comentador do país, Mike Murphy, que também era cantor. Mas isso não foi preciso. A uma hora do espetáculo, ambas as partes chegaram a um acordo: Maxi aceitava cantar um pouco mais depressa e o maestro prometeu ter mais calma com a batuta.
    O holandês Ben Cramer mostrou-se muito arrogante. Num ensaio, gritou ao microfone: “é impossivel cantar numa sala com uma acústica destas”.
       De facto, a emissora luxemburguesa teve alguns problemas. Além do som, a produção não soube explicar devidamente como funcionava o cenário. Os belgas demoraram cinco minutos a perceber onde era suposto cantar e por onde deviam sair. O realizador também ralhou com Tordo por ele não ter o microfone no lugar certo e não estar quieto.
      Artur Agostinho comentou nesse ano e, a partir do Luxemburgo, escreveu para o DP que havia jogos de bastidores: “as grandes potências festivaleiras lançam-se, desesperadamente, em sucessivas promoções de simpatia, sugerindo veladamente permutas de votos”. Isso acontecia nos hotéis e no bar do Teatro. Um artigo do Daily Mail diz exatamente o mesmo (com o título “Money To All Our Friends”). A EBU bem tentou impedir isto, isolando os jurados num hotel fora da cidade. Só podiam sair com polícia. Teresa Silva Carvalho, fadista, e José Calvário, compositor, foram os nossos jurados. Como o regulamento pedia júris leigos no assunto da música, a RTP disse que ela era hoteleira e ele estudante
    O ESC aconteceu a 7 de abril. Corrigidos os problemas, tudo correu bastante melhor. Houve, contudo, um momento caricato. O manager dos Mocedades, representantes espanhóis, que é também pai de Massiel, levantou-se antes de a banda cantar e deu um grito qualquer, como forma de dizer “Arriba!”. Vários espetadores assustaram-se e levantaram-se, com medo de que fosse um ataque aos israelitas. 

    Surpreendentemente, Cliff perdia e o Luxemburgo ganhava pela segunda vez consecutiva. Anne-Marie David estava surpresa: “esperava que a minha canção ficasse entre as primeiras mas nunca me passou pela cabeça que fosse mesmo a primeira”. Um dos Mocedades disse apenas que fora “agradável” ficar em 2º. Já Cliff foi irónico ao dizer que a melhor canção era a sua.


      Quanto ao 10º lugar português, Tordo disse que não esperava melhor, especialmente por ter estado um pouco nervoso. “Foi a canção mais importante que Portugal apresentou até hoje”, disse, acrescentando que “neste festival, houve um poema e 16 letras”. O cantor deixou uma boca ao júri: ele disse que os jurados preferem “canções para assobiar do que poemas para pensar”. Ainda assim, avisou que ia voltar como compositor. Ary disse que a Tourada esteve longe da vitória mas também longe do fracasso.


      Em relação à imprensa, o DP sublinhou a desorganização da emissora e disse que, a nível de músicas, foi um festival “sem história”. Alice Vieira achou a vencedora “igual a milhentas que por aí proliferam”.
       O DN preferiu destacar a derrota surpreendente de Cliff, uma vez que BBC tinha a maior máquina publicitária. O jornalista apostou ainda que o tema ia vender “mais do que qualquer outro”. Quanto a Tordo, ele “defendeu-se bem”, mas o DN sentiu falta dos gestos, que lhe davam comunicabilidade. O jornal reparou ainda nos (muitos!) países que cantaram em inglês, o que ainda por cima levou países fortes, como França e Itália, ao fracasso.
     O Século informou que a emissora do Luxemburgo disse “não” ao ESC1974. O canal não queria gastar 5280 contos em mais uma edição, até porque não havia grande interesse (a imprensa luxemburguesa só falou do ESC no próprio dia). A UER deveria agora decidir onde fazer o próximo festival, sendo que havia algum interesse espanhol.
      Terminava mais um certame. Nem vitória, nem fracasso, mas parecia criar boas expetativas para 1974. Acaba-se esta edição com uma nota: a Flama, num dos seus artigos, concluiu que Portugal dava mais importância a estes festivais do que os outros países. Pensam vocês: as coisas mudam…

05/10/2013

Apoio oficial:
OGAE PORTUGAL - [AQUI]

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  1. Vocês provam todos os dias que são mesmo o melhor sítio na internet sobre a Eurovisão. Merecem uma grande salva de palmas, mesmo!

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