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[Especial] A Eurovisão é Política

Se a Eurovisão é a celebração de diferentes culturas e línguas, dar o troféu a um país que está a lutar corajosamente pela conservação da sua cultura e da sua língua não é um acto político, mas sim um ato verdadeiro ao que a Eurovisão sempre foi e sempre será.

Um fã da Eurovisão já está acostumado à exaltação de comentários de Facebook que ditam que o determinismo eurovisivo deve-se sempre, e sem excepção, ao grande bicho papão que é a motivação política. A Alemanha recebe 0 pontos em 2015? Ressentimento à Troika. O Reino Unido recebe 0 pontos em 2021? Brexit.


Não vão ler neste artigo um juramento a pés juntos que não existem motivações políticas na Eurovisão. Na realidade, o que vos digo é que deviam haver mais motivações que vão além de apreciar uma canção num programa de televisão, porque devíamos ter feito tudo para evitar ver Israel a ganhar a Eurovisão num pico do genocidio à Palestina ou a Rússia a alcançar o 2º lugar um ano depois de invadir a Crimeia (com uma canção sobre paz e união!).


Existe um equívoco, caros leitores. Um equívoco que é feito em todos os comentários que pedem que a competição seja justa e que ganhe a melhor canção, independente do país. Um equívoco que pode só ser feito por alguém que não compreende a Eurovisão como um evento com bagagem histórica, pesada o suficiente para acrescentar a taxa extra no aeroporto. Um equívoco feito no discurso de vitória do Salvador Da Música Verdadeira Sobral. Equívoco este que convence as suas vítimas que a Eurovisão é uma simples competição de música e não uma celebração cultural complexa.

 

A verdade é que não existe nada que se assemelhe à Eurovisão (e quem tentar contrapor com o Mundial do Chuto na Bola™ por favor faça a fineza de se retirar da conversa). A Eurovisão é o derradeiro contexto de celebração de diferentes culturas, sons, instrumentos, língua, roupas, religiões, sexualidades e identidades de género. É o único contexto em que realmente damos valor ao que nos faz diferente e onde ouvir línguas ocidentais em formato semi-religioso não despoleta a tua vizinha Arlete a chamar a polícia. Onde uma mulher transgênero pode levar o troféu em 1998 e uma mulher com barba pode levantar outro em 2014. Onde temos satanistas e beatos cristãos a partilhar o mesmo palco. Onde ouvimos pela primeira vez tártaro da Crimeia, bretão ou surinamês. Onde queerness está no seu elemento, longe do teu avô sentado no sofá a dizer que antigamente os homens eram machões.


A Eurovisão não é só sobre música (alguém que passe a mensagem ao vencedor da Eurovisão 2017). A Eurovisão tem de ser sempre mais. Deixemo-nos de rodeios: a Ucrânia não venceu porque tinha a melhor canção ou a melhor atuação ou o melhor vocalista. A Ucrânia venceu porque a audiência da Eurovisão é alimentada pelo o que nos é alienígena, mas que nos é querido. A Ucrânia está a defender mais do que o seu pedaço de terra, defendendo a sua língua, os seus costumes, a sua própria identidade soberana e, devo realçar, a sua música. Os Kalush Orchestra são uma ferramenta para nos relembrar que todos estes sabores ucranianos estão em perigo e seria óbvio para os mais atentos que não há nada que a audiência da Eurovisão preze mais.


Não consigo imaginar um futuro para a Eurovisão sem a Ucrânia e, portanto, o meu voto na final da Eurovisão não foi político, foi uma mensagem para o povo ucraniano, espalhado em terras para eles estranhas, que não se encontram sozinhos na luta pela preservação da cultura ucraniana.

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