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Em cada canção, uma mensagem - Terceira letra: E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho



PAULO DE CARVALHO - "E DEPOIS DO ADEUS" (PORTUGAL, 1974)


















Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci

Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar não me traz tua voz

Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim

Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar é ganhar e perder

Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei

Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele e ao morrer renasci

E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós

Teu lugar a mais
Tua ausência em mim

Tua paz que perdi
Minha dor que aprendi

De novo vieste em flor
Te desfolhei...

E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós.


              Sendo este um poema com alguns anos de história, não poderia deixar de ser bem tradicional. É composto alternadamente por quadras e tercetos, quase lembrando a constituição de um soneto. Os versos são bastante curtos, com poucas sílabas poéticas, mas que dizem o suficiente para compreendermos a mensagem e o impacto do que se pretende com estas palavras. As rimas são sempre alternadas nos quartetos e emparelhadas nos tercetos. Existem rimas também dentro dos próprios versos. No final, quando ocorre uma intensificação do ritmo, a disposição é ligeiramente alterada, a fim de se atribuir reforço no poema. Termina com uma quadra de rima alternada onde se encontra um verso branco dissílabo.


              Esta letra não poderia ficar de fora da minha escolha de letras que marcaram a eurovisão por transmitir uma mensagem. Ela faz parte da nossa pátria e ficará para sempre como um marco no nosso país. Este ano foi muito relembrava devido à comemoração dos 40 anos do 25 de Abril. Em Portugal, houve claramente duas épocas políticas que foram retratadas em letras eurovisivas: a crise em 2010 com os Homens da Luta e a manifestação do povo e a ditadura salazarista em 1973/ liberdade 1974. Assim, em 1973, Fernando Tordo dá voz á “Tourada” da autoria do grande letrista Ary dos Santos e composição do próprio intérprete. Em Portugal, a letra foi claramente entendida como uma alusão á censura e ao regime de ditadura, apesar de não ter sido censurada.
No ano seguinte, como comemoração do fim do salazarismo, José Niza e José Calvário construíram uma canção que acabou por ser a banda sonora da revolução de Abril: E Depois do Adeus, o adeus ao regime ditatorial. A letra é escrita com outra perspetiva. José Niza transcreve frases que constavam em cartas que ele próprio enviaria à sua esposa quando se encontrava longe, em Angola, remetendo assim para a temática romântica. Quem ele era e o que faria ali, quem o teria abandonado são questões que ocupam a cabeça e o coração dos que estão longe dos seus entrequeridos, de quem nunca se esquece, apesar de o mar separar as suas vozes. Antes de 1974, por haver a falta de liberdade de expressão, o silêncio e a tristeza estavam presentes no quotidiano de muitos portugueses. Mas, por amor à pátria, perde-se por um lado e ganha-se por outro. No entanto, esta tristeza foi desfolhada. Foi uma época que morreu, e que ao ser morta, fez renascer toda uma geração. Depois do adeus ao regime, o “nós” é o mais importante, pois a liberdade do povo era agora valorizada. Já se tinha aprendido a dor de perder a paz, mas após a revolução não ficaríamos sós, pois olharíamos em frente para uma época completamente distinta que se seguiu.
Esta seria a interpretação que marcou a época, e que transparece uma sensação de alívio após a censura. Por si só, a letra remete para uma relação, pouco duradoura, e que marca pela sensação de ausência após o seu término. Esta metáfora contribui, assim, para que a letra não contenha conteúdo político claro, podendo ser atribuída uma outra interpretação. A mensagem estava lá, disfarçada. Por ter sido uma canção tão significativa para a época, para além de, em Abril, ter sido a senha para a revolução dos cravos, “E Depois do Adeus” foi também representante de Portugal no ESC 1974 em Brighton, em Maio, no qual, infelizmente, terminou na última posição. 


24/06/2014

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