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A Eurovisão e o Festival da Canção na imprensa nacional - 1986 e 1987



1986: A canção moderna e um resultado antigo

Pensou-se que, após o mau resultado de Adelaide Ferreira, a RTP iria desistir mesmo do concurso. Alguns jornalistas disseram mesmo que os portugueses gostavam de ser masoquistas, caso continuassem no festival. No entanto, a RTP realizou o XXIII Festival RTP da Canção, intitulado “Uma Canção Para a Noruega”, que aconteceu no dia 22 de março de 1986, nos Estúdios do canal. Os apresentadores foram Alice Cruz, Ana Zanatti, Eládio Clímaco, Fialho Gouveia, Henrique Mendes e Maria Helena Fialho Gouveia.


     A final, comparando com a do ano passado, teve mais uma música (foram 12, no total), e as superfinais voltaram (no entanto, a de 1984 teve seis músicas, enquanto a de 1986 apenas o top 3).
Este ano, o concurso não foi aberto a novos autores. As canções foram gravadas e preparadas nos quatro centros de produção do canal (Lisboa, Porto, Açores e Madeira), e foram eles que ficaram responsáveis por escolher os autores, compositores e intérpretes das mesmas. Assim, todos os intervenientes tiveram de ser convidados. Contou-se na imprensa que Lena D’Água e Rui Veloso recusaram o convite.


Além disso, a emissão nem público teve, algo criticado pela generalidade da imprensa. O programa, que não foi transmitido em direto, começou com uma retrospetiva sobre os 22 festivais já realizados, com a inclusão de uma versão única da canção “Cavalo à Solta”, interpretada por antigos vencedores, que durou 42 minutos. Como atuações especiais, o Festival contou com a presença do Rancho Folclórico do Calvário. 

Canção nº 1 – “No Vapor da Madrugada” – Rimanço
Canção nº 2 – “Canção Para José da Lata” – Carlos Alberto Moniz
Canção nº 3 – “Cais de Encontro” – Luís Bettencourt
Canção nº 4 – “Tango da Meia-Noite” – Luís FIlipe
Canção nº 5 – “Uma Ilha, Um Amor” – Paulo Ferraz
Canção nº 6 – “Quebrar a Distância” – Sérgio Borges
Canção nº 7 – “Dessas Juras Que Se Fazem” – Né Ladeiras
Canção nº 8 – “Os Tigres de Bengala” – Trabalhadores do Comércio
Canção nº 9 – “Cinza e Mel” – Gabriela Schaaf
Canção nº 10 – “Rapidamente” – Lara Li
Canção nº 11 – “Não Sejas Mau Para Mim” – Dora
Canção nº 12 – “Uma Balada de Amor” – Fátima Padinha

Superfinal:
Canção nº 1 – “No Vapor da Madrugada” – Rimanço
Canção nº 2 – “Os Tigres de Bengala” – Trabalhadores do Comércio
Canção nº 3 – “Não Sejas Mau Para Mim” – Dora

De facto, puseram-se em cima da mesa duas hipóteses: não irmos à Eurovisão ou realizar uma escolha interna do cantor e da sua música. O motivo prendia-se com as mudanças administrativas que a RTP havia sofrido no último ano. No entanto, Melo Pereira, apesar de afirmar que a montagem da emissão foi uma corrida contra o tempo, feita com os recursos possíveis, considerou que a escolha de 12 temas foi um número bastante satisfatório e que, ao menos, permitiu que houvesse Festival.


O júri foi constituído por 45 elementos, todos eles funcionários da RTP, e os votos, tal como o prémio de interpretação, só foram apresentados mesmo no final da emissão. Essa foi, aliás, a única parte em direto. A vitória dirigiu-se a Dora e ao tema “Não Sejas Mau Para Mim”, com música de Guilherme Inês, Zé da Ponte e Luís Manuel de Oliveira Fernandes, e orquestrada por Colin Frecther.



      Dora, que tinha acabado de começar a sua carreira musical, não esperava ganhar. A cantora contou que estava de férias no Algarve no momento em que a gala passou na televisão. Foi na sala do hotel que descobriu que havia ganho o Festival e fugiu a correr para o quarto ainda em choque.


     A cantora, além de ter competido com nomes conhecidos, tinha a noção de que, normalmente, um artista em início de carreira não alcançava logo sucesso imediato. No entanto, admitiu não se sentir pressionada com a sua apresentação na Noruega, pois tinha a consciência de que a sua música era festivaleira; mesmo assim, não esperava um bom resultado, uma vez que Portugal levara já algumas boas canções e todas elas ficaram mal classificadas.
     Esta edição do festival teve várias críticas positivas. Adelaide Ferreira admitiu ter ficado muito contente por Dora ter ganho e reconhecia-lhe boas hipóteses, desde que o país investisse nela; António Manuel Ribeiro, dos UHF, disse que o Festival melhorou e que a canção vencedora “tem todos os condimentos” para a Eurovisão; Dina achou esta edição uma das melhores de sempre. Mas também houve quem não tivesse achado muita piada… Simone de Oliveira afirmou que foi um dos piores festivais de sempre e que tinha saudades das músicas que Portugal levava antigamente.


      O Festival Eurovisão da Canção 1986 realizou-se a 3 de maio na arena Grieghallen, em Bergen, a segunda maior cidade da Noruega. A apresentação esteve a cargo de Ase Kleveland, representande da Noruega em 1966, e a gala foi assistida por 600 milhões de telespetadores. A Jugoslávia e a Holanda voltaram novamente ao certame, e a Islândia participou pela primeira vez. No entanto, a Itália e a Grécia não participaram. Com as 20 nações participantes, atingia-se neste ano a cifra das 500 canções já ouvidas no Eurofestival.
      Inicialmente, especulou-se que a Noruega não tinha capacidade para sediar o evento, devido a uma greve que afetou substancialmente o setor hoteleiro – se isto acontecesse, seria certamente a Suécia a anfitriã. No entanto, o espaço escolhido em Bergen foi muito aplaudido, já que albergava uma das mais antigas orquestras sinfónicas do mundo: a Musikkselskabet Harmonien, fundada em 1965. 
       A imprensa destacou alguns aspetos curiosos da presença portuguesa em Bergen: o vinho servido na receção oficial era português; os noruegueses mostravam-se muito entusiasmados com a seleção portuguesa, que se apurara para o Mundial desse ano; celebrou-se na delegação portuguesa (uma das maiores de sempre) o aniversário de Fialho Gouveia e Guilherme Inês.


      Além disso, destacou-se o facto de a Inglaterra ter recusado usar a orquestra e de os israelistas terem visto a sua segurança reforçada, caso acontecesse alguma coisa na Noruega. A imprensa também divulgou que as favoritas eram a Áustria, a Alemanha e o Reino Unido.


      Dora, que subiu ao palco com o seu vestido “insólito” (disse o Diário Popular [DP]) na última posição, acabou por ficar num lugar mediano: 14º com 28 pontos.


     A grande sortuda da noite foi mesmo Sandra Kim, que ganhou com 176 pontos. “J’aime la vie” tornava-se assim a primeira, e única até agora, vencedora da Bélgica. Sandra apresentou-se no Festival com, dizia ela, 15 anos de idade. Todos sabemos que, na verdade, não passava dos 13… De qualquer forma, foi a vencedora mais jovem de sempre.


     O DP considerou o cenário, a apresentadora e a emissão gélidas. Quanto a Portugal, respeitou o pedido de Dora de não tecer comentários e remeteu-se ao silêncio. Sobre a vencedora, disse apenas que era “uma canção bonita”. 
     Dora contou que havia nos bastidores da Eurovisão a certeza de que a vitória da Bélgica estava combinada. O clima de hostilidade era tal que durante a votação nenhum artista aplaudiu os pontos que iam para a Bélgica. Por essa razão, o DP exigiu a retirada da RTP do certame, visto que não era justo.


       Os artistas participantes no Festival RTP deste ano elogiaram a presença de Dora mas arrasaram o nível geral das canções. A cantora tinha assinado contratos durante a sua estada na Noruega e estava feliz, mesmo depois de Fialho Gouveia ter, em plena locução, criticado a escolha do vestido, como pode ouvir em baixo:


1987: O duo que foi à Eurovisão para engatar as outras concorrentes

       Nem depois de mais um outro resultado nada positivo a RTP pensou em desistir. O canal quis novamente investir no certame, e, por isso, realizou o XXIV Festival RTP da Canção, no dia 7 de março de 1987, no Casino Park Funchal. Novamente, saíram da capital e foram, pela primeira vez, para um dos arquipélagos. Além disso, outra das grandes novidades foi que não se realizou uma superfinal e o número de músicas apresentadas na final foi menos do dobro das do ano anterior: apenas seis. A juntar a esta simplicidade, o festival também apenas contou com uma apresentadora: Ana Zanatti.
       Na idealização de Melo Pereira, que dizia estar a organizar o certame pela última vez, o festival estava destinado a ser um dos melhores até então. Devido ao facto de ter sido realizado um ano após a entrada do país na CEE, o responsável pretendeu montar um espetáculo mais europeu. Além disso, a RTP estava a comemorar o seu 30º aniversário.
       Com tão poucas músicas a concurso, a RTP teve de compensar com muitos convidados especiais. Primeiro, 150 pessoas de grupos folclóricos regionais cantaram “Noites da Madeira” e “Pomba Branca”. Houve espaço para a dança: Pedro Palma e Isabel Merlini dançaram um pas-de-deux coreografado por José Trincheiras, em homenagem a Max, e contou-se com a presença de 30 bailarinas do Scala de Barcelona. Mas ainda houve mais: a atuação de Borras, um dos mais conhecidos pickpocket europeus na altura, fados e canções de Luz Sá da Bandeira, Nuno da Câmara Pereira, Lara Li, o grupo açoriano O Rimanço e um mini-espetáculo de Vivian Reed e dos Williams Brothers. 
     Este ano, o playback foi afastado. A orquestra regressou, com a presença da Orquestra da Felicidade, do Brilho e da Glória, de 32 figuras, dirigida por Jaime Oliveira. A encenação ficou a cargo de Conde Reis e a realização de Pedro Martins, e este ano aumentou-se o número de prémios entregues: além do de interpretação (que foi ganho por Glória), também se acrescentou o de melhor orquestração (que foi ganho por Ramon Gallarza).
       Foi uma edição dominada por amadores, em que apenas se destacavam Pedro Osório e Maria Guinot, compositores das canções 2 e 6, respetivamente.

Canção nº 1 – “Nome: Mulher!” – Nené
Canção nº 2 – “Hora a Hora, Dia a Dia” – Glória
Canção nº 3 – “Neste Barco à Vela” – Nevada
Canção nº 4 – “Sou do Teu Corpo Aprendiz” – Grupo Troco
Canção nº 5 – “É do Stress” – Mário Mata
Canção nº 6 – “Imaginem Só” – Ana Alves

       Num Festival que teve Alberto João Jardim na plateia, foi o duo Nevada que acabou por ganhar. O conjunto formou-se propositadamente para o concurso (um era funcionário público, outro engenheiro naval, ambos cantavam em bares mas foi numa conversa que ganharam a ideia de compor a canção), mas sempre tiveram a certeza de que iam ganhar. Estavam convictos de que tinham uma música capaz, até, de vencer no Festival Eurovisão da Canção. No entanto, eles foram repescados à última hora para ingressarem a lista das seis candidatas.


     Os Nevada contaram que, inicialmente, “Neste Barco à Vela” esteve para ser um fado-canção. Depois, a orquestração de Ramon Galarza transformou-a em algo mais cosmopolita. Depois da vitória, o júri de seleção estava indignado, porque quando selecionaram o tema haviam-no feito com base nos arranjos de fado.
      A letra da música surgiu quando um dos elementos estava junto ao Tejo, no Cais das Colunas, à espera de uma pessoa que vinha do outro lado. Como era dia de greve da Transtejo, durante a espera surgiu o poema.
      No que diz respeito a críticas, o DP considerou o festival medíocre, destacando o amadorismo de todos os participantes. Além disso, considerou excessivo o número de convidados estrangeiros, que certamente pesaram muito no orçamento. A TVGuia, pelo contrário, elogiou bastante o esforço da RTP em ter montado um grande espetáculo fora do território nacional, o que demonstrou que “a nossa televisão pode concorrer em pé de igualdade com as suas congéneres europeias”.


       Perante 500 milhões de telespectadores, a Eurovisão contou com a presença de 30 toneladas de material acústico, 12 câmaras de televisão e 1500 watts de potência eléctrica, segundo avançou a TV Guia. O evento, que foi montado de forma a ser o melhor de sempre, realizou-se no dia 9 de maio, no Palais du Centenaire, na Bélgica, com a apresentação de Viktor Lazio. Esta edição custou à volta de 236 milhões de francos. Este ano não houve nenhuma desistência e dois países regressaram: Grécia e Itália. Assim, estiveram 22 países em competição. A orquestração esteve a cargo de Jo Carlier.
     O júri foi constituído por 242 pessoas, repartidos por grupos de 11 elementos que deveriam representar a opinião pública.
       Esta foi a primeira vez que a RTP teve uma locutora a comentar o Festival. Tratou-se de Maria Margarida, que pôs fim ao reinado dos homens nesta função. Glória de Matos também viajou à capital europeia para ajudar os Nevada a nível de gestos e postura.


        Um dos grandes marcos deste ano foi o regresso de Johnny Logan, que já tinha ganhado em 1980 com o tema “What’s Another Year”. Por exemplo, a TV Guia fez uma capa com o artista em grande plano com o título “Johnny Logan: sete anos depois”. O que é certo é que o artista voltou a ganhar o certame, desta vez com o tema “Hold Me Now”. A mesma revista fez uma entrevista com o artista em que ele afirmou que fora à Bélgica para ganhar. Nesse mesmo artigo, contava-se que a canção havia sido feita na Turquia há três anos.


       Os Nevada, que subiram ao palco na 8ª posição com Zé Braga e Pacheco (guitarristas) e Isabel Nunes e Fernanda Lopes (coro), ficaram num lugar dececionante: 18º lugar com 15 pontos.


       Alfredo Azinheira e Jorge Mendes, os membros do duo, afirmaram à TV Guia que mereciam ter ficado nos dez primeiros lugares. No entanto, criticaram a RTP por não ter feito grande promoção do tema representante, ao contrário do que aconteceu com os outros artistas a concurso – até a TV Guia afirmou que Portugal foi à Eurovisão e nem se deu pela sua presença. Os poucos comentários que se faziam à nossa canção não eram muito negativos: dizia-se apenas que a canção ganhava por ser muito portuguesa.


       A TV7Dias divulgou que as ajudas de custo aos intérpretes tinham um valor muito reduzido, tanto que a alimentação foi à base de sandes.
       No entanto, ainda que não se tivesse dado atenção a Portugal na final, os Nevada foram noticiados pela quantidade de festas a que foram durante a sua estada em Bruxelas. A TV Guia citou uma fonte a dizer que os dois homens andavam sempre bem acompanhados com belas mulheres e com alguns cocktails a mais. Até o Correio da Manhã pôs na capa que um dos membros do duo estava muito bem acompanhado com a concorrente islandesa, Halla Margrét. Além disso, Jorge Mendes foi considerado o mais belo sorriso da edição.


   Bruxelas foi muito criticada pela burocracia, alguma desorientação e por aplicar preços exorbitantes. No entanto, aplaudiu-se o facto de terem apostado num forte sistema de segurança e de terem criado um cenário muito bom.


      Os críticos musicais, como Carlos Paião, concordaram que a música portuguesa era mediana. Já Adelaide Ferreira ficou contente com a vitória de Johnny Logan, afirmando que não era preciso ser-se ridículo para vencer o festival. Laura Diogo acrescentou que esta edição do festival foi das que tiveram mais qualidade.
       No regresso a Portugal, Jorge Mendes já havia sido dispensado do seu cargo de engenheiro naval. Agora teria de navegar à procura de emprego.

09/11/2013

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