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A Eurovisão e o Festival da Canção na imprensa nacional - 1969, 1970 e 1971



















1969 – A vitória era nossa!

      Apesar dos maus resultados e da contestação ao último vencedor do Festival, a RTP marcou presença na 14ª edição da Eurovisão. Caminho diferente seguiu a Áustria, que saiu por recusar estar num país governado por uma ditadura.
       Animados com a vitória de um país não francófono nem anglófono, os portugueses entusiasmaram-se de novo com o Festival, que em 1969 se realizou a 24 de fevereiro. Concorreram 313 temas, que foram reduzidos a 10 por um júri (de que Amália Rodrigues fez parte)
Desta vez, o concurso deixou os estúdios e deu entrada numa sala de espetáculos: o Teatro S. Luiz, no Chiado. Essa zona da cidade orgulhou-se de receber o evento, e foi decorada com motivos alusivos ao Festival e fotos dos artistas. Foi também a primeira vez que saiu nas revistas uma maquete do cenário. O Século Ilustrado (SI) publicou um esquema muito interessante do mesmo.


      Houve outra novidade: Lurdes Norberto, atriz, apresentou a gala. Quem a convidou por certo não explicou o funcionamento dos ensaios, porque ela queixou-se ao Diário de Notícias (DN) de que não sabia que tinha de estar vestida das 14h00 até ao arranque do espetáculo. “Vou aparecer com o vestido amarrotado…”, lamentou. Henrique Mendes e Maria Fernanda, os habituais apresentadores, contudo, não ficaram em casa.


     Este FC foi dividido em três partes: na primeira tocavam-se as canções vencedoras dos anos anteriores (com apresentação de Maria Fernanda); na segunda desfilavam os temas (com Lurdes a comandar); e Henrique Mendes entrava na terceira parte, “Fados por Maria Teresa de Noronha”.
Estas foram as dez canções candidatas: 

Canção nº 1 – “Desfolhada” – Simone de Oliveira
Canção nº 2 – “Os Fios da Esperança” – Daniel
Canção nº 3 – “Buscando Um Horizonte” – Tereza Paula Brito
Canção nº 4 – “Flor Bailarina” – Lilly Tchiumba
Canção nº 5 – “Sol da Manhã” – Valério Silva
Canção nº 6 – “Canção Para Um Poeta” – Madalena Iglésias
Canção nº 7 – “Sombra de Ninguém” – Artur Garcia
Canção nº 8 – “Tenho Amor Para Amar” – Duo Ouro Negro
Canção nº 9 – “Cantiga” – Fernando Tordo
Canção nº 10 – “Vento do Norte” – Maria da Fé

Algo digno de registo: António Calvário estava ausente do Festival! Outra coisa que vale a pena referir é o número de estreantes: foram cinco (Daniel, Tereza Paula Brito, Lilly Tchiumba, Fernando Tordo – colega de Carlos Mendes na sua banda – e Maria da Fé). O SI foi a única publicação que divulgou biografias e entrevistou todos os artistas. Este foi também o primeiro Festival sem haver duas ou mais canções para só um artista.
Podia ter havido uma outra estreia: a de Elisa Lisboa. Até poucos dias antes, todos pensavam que seria ela a intérprete de “Desfolhada”. Elisa chegou a dar entrevistas onde falava da canção (e onde dizia que ia apenas para participar). Contudo, acabou por desistir por querer focar-se no teatro e aí entrou a veterana Simone de Oliveira, que depressa recebeu todo o favoritismo (o próprio maestro da gala, Ferrer Trindade, reconheceu na véspera da mesma que era a melhor canção).
Um dado muito interessante foi o facto de toda a receita do espetáculo ter revertido para a Liga Portuguesa Contra o Cancro. Os 800 bilhetes livres não eram muito acessíveis (iam de 100 a 850 escudos), e exigia-se que o público levasse traje de gala. A audiência compor-se-ia essencialmente por figuras da sociedade e da música.
A maioria ficava a ver a partir de casa, nos cafés ou colados às montras das lojas de eletrodomésticos. Havia também quem se pusesse à porta do S. Luiz.
As ruas de Lisboa, segundo os jornalistas do Diário Popular (DP), que fizeram um passeio pela cidade nessa noite, estavam desertas. Um taxista contou-lhes que a bilheteira do Tivoli nem 25% dos bilhetes tinha vendido. Uma peça do Teatro Variedades teve de ir para Coimbra, porque sabia que na capital não ia ter sorte. Alguns cafés fecharam portas para impedir a entrada de mais gente, já que estavam sobrelotados.
No S. Luiz ninguém hesitou em aplaudir com satisfação o resultado deste Festival. Como todos sabem, Simone alcançou a sua segunda vitória com uma margem realmente notável (todos os distritos votaram nela e Évora deu 14 pontos, em 15 disponíveis), confirmada pelos elogios que a imprensa lhe atribuiu nos dias seguintes.


O DN, ocupando duas páginas inteiras, diz em tom eufórico que “todo o país votou em Desfolhada, e descreveu a canção como próxima do estilo balcânico e tendo “ressaibos ciganos”, mas cuja letra viaja pelas paisagens do país.
     O jornal considerou o espetáculo melhor que os anteriores. Disse mesmo que o Festival seria “digno de inagurar a televisão a cores”. Opinião diferente teve O Século, que considerou tudo muito amador. Além disso, foi muito crítico sobre a prestação da apresentadora. Lurdes Norberto, ainda que simpática, não mostrou ter muito jeito, visível na forma como arrumou a entrevista aos vencedores: “Que mais é que lhes hei de perguntar? Eu cá não sei. Então, até já!”. Além disso, como Évora não pôde votar no devido momento e teve de ficar para o fim, Lurdes já queria encerrar a votação e teve de ser o público do S. Luiz a lembrar-lhe. Foi frequente enganar-se nos nomes das canções e ficar perdida à espera de indicações.
       No campo musical, ambos os jornais concordam com a baixa qualidade, mas notam que, por influência de Massiel, o “la la la” esteve presente em muitas canções. O Século, irónico, fica feliz com a pouca qualidade: “(…) porque, para o ano, pertenceria à RTP a organização do Festival da Eurovisão! E quem tão fraca conta deu de si, aqui em família, o que não faria ao nível internacional?”. Já o DP tem uma visão mais positiva: “o nível geral foi animador”.
        O que ficava era uma vitória consensual. Mesmo os outros concorrentes elogiaram largamente a vencedora.

Os 2ºs classificados, Duo Ouro Negro

      Simone estava radiante. Em poucos dias a sua vida mudava. A cantora sentia que a sua carreira estava em “ponto morto”, e o convite para interpretar a canção, em cima da hora, deu-lhe novo fôlego. “Faltava-me uma canção capaz de me dar alma nova e de me empolgar. Encontrei-a, finalmente”, dizia depois de ganhar. A vitória, dedicada aos filhos, dava-lhe 50 contos e abria portas à Eurovisão. O compositor, Nuno Nazaré Fernandes, mal tinha acabado a gala, já informava que ia acrescentar guitarra portuguesa na melodia. Ary dos Santos, autor, dizia em brincadeira que tinha concorrido porque precisava de dinheiro para mobilar a sua nova casa.
Terminado o Festival, artistas, compositores e técnicos foram para a Pastelaria Marques, no Chiado, onde decorreu a entrega dos prémios.


O Festival Eurovisão da Canção aconteceu a 29 de março, no Teatro Real, em Madrid. Simone chegou à capital espanhola inserida na maior delegação desse ano. Estiveram a seu lado 30 jornalistas portugueses, muito mais que nos anos anteriores. Era como se o Festival fosse em Lisboa. 
Havia muito entusiasmo com “Desfolhada”. O DN escreve que a nossa canção estava entre as favoritas, e que “opiniões insuspeitas” a colocavam mesmo em 1º lugar, tudo isto baseado no primeiro ensaio. Simone tinha ficado um pouco rouca nos primeiros dias, por causa de um problema no aquecimento do hotel, mas ela ensaiou com vigor. Nazaré Fernandes pediu-lhe mesmo para se conter. A resposta dela: “Desculpa, mas não sei ensaiar de outra maneira”. Nuno teve uma outra preocupação: o seu carro, certa vez, ficou mal estacionado em Madrid, foi rebocado e teve de pagar multa. Simone viajou de comboio.
Franceses, irlandeses, espanhóis: todos elogiavam a nossa canção. A imprensa espanhola estava encantada: o Nuevo Diário dizia que Simone tinha a melhor voz do Festival e o Ya colocava o nosso tema no grupo dos melhores.
Quem também impunha respeito era o representante do Mónaco, Jean Jacques. Tinha só 13 anos mas deixou todos com receio de que pusesse a Europa a chorar (a sua canção era dedicada à mãe). Na altura não havia limite de idade nos concursos (no FC, o mínimo era 6 anos). Salomé, de Espanha, era outra: era a cantora espanhola mais premiada de sempre e estava tão bem preparada que tinha até uma suplente, no caso de ficar impedida de cantar! Sobre o espetáculo, chegou a dizer que “la portuguesa es la mejor”.
A TVE gastou 5 500 000 pesetas (33 mil euros) na montagem do concurso. Ensaiou cada momento do espetáculo com imenso cuidado. O DN dá conta de que até a votação foi ensaiada, “com casos que podem acontecer. (…) Só por grande azar se espera um percalço, mas até estes estão quase que previstos”. No ensaio houve um empate no 1º lugar e todo o staff ficou atrapalhado. Havia a esperança, quase a certeza, de que isso jamais fosse acontecer na gala em direto. Viu-se, depois, que toda a preparação e todos os ensaios resultaram em nada…
Madrid animou-se com a Eurovisão: foram várias as festas, jantares, cocktails, e até visitas a museus preparados para os artistas! Chegou a haver vários eventos marcados para a mesma hora.

                                 Mensagem de Simone para o DP

À medida que o tempo passava crescia a expetativa em Portugal. Os jornais publicavam declarações de Simone, biografias dos intérpretes, análises aos ensaios e até apontavam a duração dos aplausos às canções nos ensaios! O DN dizia que o Festival ia ser visto por 250 milhões de espetadores; o Século exagerava: 600 milhões. O certo é que a Europa (incluindo o leste) e a América iam assistir ao evento.


Em Portugal, os teatros chegaram mesmo a mudar a hora dos seus espetáculos para que nenhum acontecesse ao mesmo tempo do Eurofestival. O DN anunciou estas alterações num cartaz, para que ninguém perdesse a atuação portuguesa. Quem sabe, como escreviam os jornalistas, se não íamos ganhar… Simone queria um 5º ou 6º lugar, pois sabia que vencer não era fácil. Contudo, até a ordem de atuação parecia estar a nosso favor: 15ª posição em 16 países.
O que veio na realidade foi um grande balde de água fria. “Deceção”, está na capa do DN. “Quatro vencedores no Festival da Injustiça”, diz o Século.



Portugal ficava em 15º lugar com apenas 4 pontos. O primeiro posto foi partilhado por quatro: Espanha (a primeira a vencer duas vezes seguidas), Reino Unido, França e Holanda.
O DN escreve no seu artigo que “a comédia, o ye-ye, o grande jogo dos lançadores de discos, as afinidades linguísticas e ideológicas, a politiquice…” estiveram presentes na votação. Aponta também o dedo à organização, que, embora tenha tido aquele empate no ensaio como alerta, fechou os olhos ao assunto. Além disso, surgiu a notícia de que a canção espanhola tinha sofrido mudanças na véspera da gala. Entre todas estas críticas diz que este foi o funeral dos festivais e que duvida de que “voltemos a cair noutra”. O Século transmite a mesma ideia: “[Simone foi] prejudicada em função de compadrios, de habilidades de bastidores e de interesses visivelmente comerciais”.


A Plateia acusou o sistema de votação: enquanto a preocupação fosse escolher a melhor música, a segunda melhor podia acabar por ficar em último lugar.
Mal acabou a votação, a equipa do DN foi ao camarim de Simone, onde assistiu a dois momentos impressionantes: o primeiro foi quando o ministro da Informação e Turismo espanhol foi pedir desculpa a Simone; depois foi um jornalista espanhol dizer-lhe que era a vencedora moral. “Não é costume pedir desculpa quando não se cometem erros…”, conclui o jornal. A cantora estava calma: “que hei de fazer? Sigo cantando”, disse ela, que tinha a certeza de ter dado o melhor de si. Com o avançar da conversa, partilhou com o jornalista a desconfiança de ter havido uma irregularidade na votação, porque foi o primeiro empate e logo entre quatro canções.

Recap com as quatro vencedores

O maestro Ferrer Trindade estava mais exaltado: “isto é tudo uma fantochada!”. Um elemento da RTP dizia duvidar da honestidade da votação. Nazaré Fernandes reconheceu que faltou investimento económico. Ary descarregou a sua irritação de forma irónica ao criticar os outros concorrentes. Alguns jornalistas lusos choravam.
Era certo para todos que o lugar obtido por Portugal era injusto, mas também todos concluíram que Simone não esteve tão perfeita como nos ensaios. Motivos de saúde eram a razão: a cantora sofrera uma intoxicação alimentar, depois de ter comido uma torta estragada. No dia da final só pôde beber leite, mas conseguiu competir, mesmo nervosa e fazendo um grande esforço. Houve entretanto outro susto para Portugal: o guitarrista de Simone só apareceu no Teatro a 15 minutos do ensaio geral.
       Ainda assim, Simone foi a quarta artista mais aplaudida da noite, segundo o SI (claro que Espanha se destacou aqui). Mas nada apagava a “vergonhosa deceção. Vergonhosa – para o júri europeu”, disse o DN, que elogiou a imparcialidade do júri português (que só deu 2 pontos a Espanha). O Século sugeriu que Portugal deixasse a Eurovisão e se voltasse para os festivais da América Latina.
Ao mesmo tempo, as quatro vencedoras eram assaltadas pela imprensa. Nenhuma se importou em partilhar o primeiro lugar. Lulu (Reino Unido) estava eufórica com o domínio das mulheres, que “hão de acabar por tomar conta de tudo”. Lennie e Frida, da Holanda e França, respetivamente, mal conseguiam acreditar. Salomé parecia estar preocupada em mostrar aos seus críticos que conseguira ganhar. O cantor belga disse que só com quatro vencedores “se consegue uma Europa unida”.


Depois do Festival, houve um jantar preparado pela organização. Os portugueses foram os últimos a entrar e foram aplaudidos de pé. Nessa noite, Simone manteve-se forte. “Só quando cheguei ao quarto é que chorei à vontade”, contou, numa entrevista de 1989. De Lisboa ligavam vários amigos (Raul Solnado, Carlos Cruz…), o que a fez chorar mais ainda. Enquanto esteve em Madrid, ela recebeu mais de 600 telegramas. Um deles veio da equipa do Sporting.
     Simone chegou a Lisboa dois dias depois, de comboio. Ao longo da viagem recebeu o apoio de várias pessoas que estavam nas estações e mesmo na linha. Mas o auge foi em Santa Apolónia. Milhares de pessoas estavam lá com cartazes e bandeiras nacionais. Simone chorou e, com a ajuda de um megafone, cantou o seu tema, acompanhada por todas aquelas vozes. Teve de ser a PSP a levar a cantora até ao exterior. “Simone chegou vencedora. É justo”, diz o SI.




     Nos dias seguintes, o assunto Eurofestival manteve-se vivo na imprensa. A Flama acusou os jornais de terem criado ilusões, e disse que tudo foi um exagero. Houve também quem dissesse que a canção talvez não fosse assim tão forte.
    A RTP anunciou a 19 de setembro que não participaria mais na Eurovisão, não tencionando sequer transmitir a de 1970. Depois da desilusão de Madrid, o canal pensou que ia ter o apoio da imprensa e do público. Mas não. Todos queriam Portugal a concorrer. A Plateia chegou a escrever, ainda antes da decisão, “que Portugal continue a defrontar-se (…) mesmo perdendo na classificação geral, mas ganhando em honra”. Algo com que nós concordamos completamente.

1970 – Onde vais, Europa?

      A RTP manteve-se irredutível. A sua posição foi justificada pelo responsável da Divisão de Relações Exteriores da RTP, António Bivar.
       “A administração da RTP decidiu que nos devíamos afastar do Festival”, começa ele. As razões: “toda a imprensa foi unânime em apontar essa solução como a única”, “a administração tem a noção de que o Festival se afasta cada vez mais dos objetivos que se dizia ter”, “o sistema de votação é errado”. Bivar disse que os nórdicos tinham noção disso e, apesar de saírem beneficiados com os votos por bloco, desistiram também. Em relação à não transmissão do evento, o senhor é muito claro: “se não é bom para participar, não é bom para transmitir”.
      Ainda assim, o FC ia ter lugar, mas numa data bem posterior à do concurso europeu. Tal como acontecia com o festival espanhol ou com o Sanremo, de Itália, que eram transmitidos em muitos países, a RTP queria colocar o Festival português à disposição das emissoras da EBU
       Claro que a posição da RTP mereceu críticas violentas. Diz a Rádio e Televisão (R&T): “nós não participamos no Festival de Sanremo e a TV transmite”. A revista diz ainda que, desta forma, Portugal se afasta ainda mais dos grandes mercados da canção.
       Mesmo sem Portugal (e sem Suécia, Finlândia, Noruega e Áustria), a Eurovisão lá aconteceu. Para evitar problemas, uma técnica de desempate foi acrescentada: as canções empatadas no primeiro lugar deviam cantar de novo, e os júris dos restantes países faziam uma votação por braço no ar. Se ainda assim desse empate, ganhavam as duas. Depois de terem sido eleitas quatro vencedoras, a EBU sorteou em qual delas se realizaria o Festival. A sorte coube à Holanda, que levou o certame até Amesterdão e o transmitiu no dia 21 de março.


    A imprensa portuguesa estava desanimada com a ausência de um representante português, mas enviou na mesma jornalistas até à cidade sede. O ensaio geral, por exemplo, foi referido na capa do DP. O SI também publicou algumas imagens (que foram, aliás, a única maneira que os portugueses tiveram de conhecer as estrelas desse ano).


Notícias muito pequenas deram conta do resultado do concurso: a irlandesa Dana conquistara a primeira vitória para o seu país, deixando o Reino Unido na segunda posição. O DN não ficou indiferente às habituais polémicas. A principal envolvia Julio Iglesias, representante de Espanha: ao que parece, a sua canção, “Gwendolyne”, havia sido copiada de uma outra.
O Século divulgou timidamente a vitória da Irlanda na sua capa, mas o artigo só tinha três parágrafos sem nada de novo. O DP fez uma notícia mais visível.


O assunto “Festival” voltou em maio. O Festival RTP nesse ano chamou-se “Festival da Primavera” e foi realizado no dia 22. O Cinema Monumental abriu as portas a dez artistas:

Canção nº 1 – “Escrevo às Cidades” – Fernando Tordo
Canção nº 2 – “Então Dizia-te” – Duarte Mendes
Canção nº 3 – “Canção de Madrugar” – Hugo Maia Loureiro
Canção nº 4 – “Velho Sonho” – Artur Rodrigues
Canção nº 5 – “Verdes Trigais” – Intróito
Canção nº 6 – “Onde Vais Rio Que Eu Canto” – Sérgio Borges
Canção nº 7 – “A Voz do Chão” – Rute
Canção nº 8 – “Adeus, Velha Amada” – Duo Orpheu
Canção nº 9 – “Corre, Nina” – Paulo de Carvalho
Canção nº 10 – “Folhas Verdes” – Maria da Glória

Foi um festival de estreias para oito artistas. Só Fernando Tordo e Sérgio Borges haviam pisado antes o palco do certame. Foi também o primeiro festival sem a participação de vencedores anteriores. Por essa razão, a imprensa fez questão de apresentar os novos rostos ao público, através de fotografias, dados biográficos e muitas entrevistas aos artistas e compositores. De todos eles, Paulo de Carvalho era o que parecia estar melhor lançado: já tinha contactos em Espanha.


A R&T fez uma coisa muito invulgar: analisou as probabilidades dos intérpretes analisando os seus signos. É claro que foram dez tiros ao lado. Sobre a pessoa que viria a ganhar o FC, escreveram “as suas possibilidades (…) são muito reduzidas”. Além disso, quiseram saber a opinião que os intérpretes tinham uns dos outros, o que permitiu concluir que Paulo era o preferido.


Este festival foi transmitido para Espanha, para uma audiência estimada em 12 milhões de pessoas, e teve a particularidade de ter uma continuação. Depois da gala, foram vários os artistas internacionais que participaram numa emissão especial: Klio Denardou, Nicoletta, Dana (vencedora da Eurovisão), Julio Iglesias e Amália Rodrigues. A fadista confessou ter achado o concurso “de alto nível”. Era um grande investimento da RTP. A emissão começava às 22h e ia até às 2h. Se não íamos nós à Europa, o canal trouxe a Europa a Portugal. O público aderiu, como se viu pelos cafés a abarrotar e pelas ruas desertas.


Os apresentadores foram Maria Fernanda e Carlos Cruz. Talvez por não ter o peso da Eurovisão aos ombros, esta edição foi amplamente elogiada. O SI descreve-a como chique, arojada e renovada, sem as caras habituais e com um nível musical bem mais razoável. O apresentador “esteve excelente”, sendo profissional num tom informal. Especialistas disseram mesmo que foi “o festival de mais nível”. O DP, na voz da escritora Alice Vieira, foi bem mais crítico e arrasou tudo aquilo de que se lembrou: júris, cantores, compositores, letristas… A R&T achou o concurso medíocre.


Sérgio Borges, o mais aplaudido da noite, levou o seu barco até ao primeiro lugar. Foi uma vitória elogiada pela imprensa. Para o seu compositor, Nóbrega e Sousa, era um novo fôlego na sua carreira. Os mais jovens criticaram, clamando que “canções destas já não se usam”. Para eles, a vencedora devia ter sido “Canção de Madrugar”, mal defendida em palco, e mostraram isso mesmo ao assobiar quando Sérgio foi receber o prémio e o cheque de 35 mil escudos.


A própria votação dos júris diz muito. Os distritos mais desenvolvidos à época (Lisboa, Porto e Viseu) não pontuaram “Onde Vais Rio Que Eu Canto”, mas deram muitos pontos à “Canção de Madrugar”.


Da parte dos outros concorrentes as reações não foram melhores: Paulo de Carvalho disse que a vitória se deveu ao artista e Ary dos Santos, autor da canção de Hugo, achava a vencedora “reacionária, antiquada e mole”.
As dez canções foram lançadas comercialmente, com o apoio da discoteca Phillips. Nas páginas dos jornais surgiam por vezes anúncios a esses discos. É importante referir que a qualidade mais elevada dos temas pode ter a ver com o tempo que o júri de seleção teve para as analisar. As 357 candidatas (valor máximo até então) foram avaliadas de 9 de março a 3 de abril desse ano. Quase um mês. Vale a pena lembrar que nos dias que correm a escolha dos temas se faz em três dias.

1971 - A "Menina" foi senhora

As mudanças que a EBU realizou ao regulamento e ao sistema de votação trouxeram Portugal, e os outros países que desistiram em 1970, de volta ao certame: “Portugal não deseja continuar a estar orgulhosamente só”. 
O 8º Festival da Canção teve lugar a 11 de fevereiro, no Tivoli. Henrique Mendes regressou à apresentação, desta vez ao lado da miss Ana Maria Lucas, que era na época namorada de Fernando Tordo. A TVE ia novamente transmitir.


O Festival ia ter duas partes: a primeira era a competição, a segunda era um espetáculo com convidados: Karina (representante de Espanha nesse ano), Malcolm Roberts, Maria Bethânia e Carlos do Carmo, que recusou o convite de Nazaré Fernandes e Ary para cantar um tema (“era contra o que eu próprio penso dever ser um festival deste género: novas composições defendidas por novos intérpretes”).
Este festival teve algumas particularidades. Os artistas não passavam da casa dos 20 anos. Depois, grande parte das canções foi orquestrada por músicos estrangeiros. Por fim, esta edição ficou marcada por uma autêntica guerra de editoras. As quatro maiores na altura (Zip, Movieplay, Philips e Valentim de Carvalho) fizeram intensa campanha pelos seus artistas. Até então, as editoras tinham pouca importância nos festivais, mas em 1971 elas começaram a ver o concurso como uma enorme oportunidade. Fialho Gouveia, que, ao lado de Carlos Cruz e Raul Solnado, comandava a Zip, dizia que “o próprio festival ganha mais interesse”.
Assim, as estrelas da canção nacional neste ano foram as seguintes:

Canção nº 1 – “Verde Pino” – Daphne
Canção nº 2 – “Menina do Alto da Serra” – Tonicha
Canção nº 3 – “Palavras Abertas” – Intróito
Canção nº 4 – “Rosa, Roseira” – Efe 5
Canção nº 5 – “Crónica de Um Dia” – Hugo Maia de Loureiro
Canção nº 6 – “Flor Sem Tempo” – Paulo de Carvalho
Canção nº 7 – “Anda Ver o Sol” – Lenita Gentil
Canção nº 8 – “Cavalo à Solta” – Fernando Tordo
Canção nº 9 – “Adolescente” – Duarte Mendes

Com carreiras em ascensão, os artistas foram, como era habitual, alvo de grande atenção: entrevistas, fotografias, biografias. Os compositores e letristas eram também protagonistas. A revista Flama lançou o “Dossier Grande Prémio”, com a história do FC e do ESC, quadro para o leitor acompanhar a votação, além dos dados sobre os artistas.
Numa dessas entrevistas, ficou-se a saber que a canção de Hugo Maia de Loureiro era para ter ido para Carlos Mendes, mas ele mostrou-se contra a competição. Até ao ano seguinte…
Uma das artistas preferidas dos jornalistas era Daphne. Estreava-se aos 19 anos, mas teve honras de capa da Flama. A canção foi feita pelo seu marido e orquestrada por um canadiano, e tinha a muito estimada Carmen Dolores a ensinar-lhe postura. Os restantes estreantes eram os Efe 5 (onde estava Carlos Alberto Moniz) e Lenita Gentil.


O Festival ia ser visto, ao vivo, por 1218 pessoas. Lotação esgotada, apesar de muitas pessoas terem insistido com a RTP para ter bilhetes. Foi preciso colocar 9km de cabos no Tivoli e mais de quarenta microfones, para garantir a transmissão pela rádio (inclusive para o Ultramar). Foi também colocada uma câmara na rua, para filmar a entrada dos convidados. Ia ser “uma parada de elegâncias”, diz o DP. A Câmara Municipal mandou colocar postes de luz no exterior do edifício, para que o Tivoli ficasse mais iluminado.


Os ensaios tiveram um momento polémico. A RTP queria que os cantores ensaiassem com playback instrumental, algo que todos recusaram. Os artistas queixavam-se de terem poucos ensaios com a orquestra. Um deles, sem se identificar, disse ao DP que só tinham tido uma sessão com a banda, quando deviam estar a ensaiar “há, pelo menos, oito dias”. A RTP lá acedeu à vontade deles. Na mira dos fotógrafos esteve o casalinho Tordo e Ana Maria. Paulo de Carvalho recuperava de um acidente de viação e ensaiou com um colar cervical.


O direto correu bem. O pior veio com a votação do júri (que se mantinha igual – 90 jurados em 18 distritos). “Menina”, de Nazaré Fernandes e Ary, ganhou o Festival com 34 pontos de avanço sobre o tema de Paulo, ainda que este tenha sido mais aplaudido (36 segundos, contra os 26 de Tonicha).
O público presente manifestou o seu descontentamento, assobiando e batendo com os pés no chão. Foi, de acordo com o DP, a vez em que o descontentamento mais se ouviu. Henrique Mendes chamou-o “ligeira celeuma”. A publicidade da Zip teve os seus frutos.


      Nos bastidores, Tonicha, rodeada de jornalistas, recusou-se a dar uma entrevista a uma rádio que fazia parte de um grupo rival ao da sua editora. Confessou não ter estado nervosa, disse querer descansar e reagiu normalmente aos apupos: “nem todas as pessoas podem gostar da minha canção”. A vitória dava-lhe 35 contos e um televisor da Siemens. Mas ela não mostrava grande emoção. Uma semana depois, à Flama, contou que não viu a votação e não reagiu à vitória: “Chamaram-me e disseram-me: «você ganhou». Eu disse: «Pois está bem. Então se ganhei vou lá acima»”.


       Ary reagiu assim aos apupos: “ainda bem que certos rabanetes burgueses não me gramam”.
O DP considerou o festival de pior qualidade que o de 1970, mas elogiou os apresentadores e a vencedora: “Tonicha cantou e mereceu os 103 votos do júri”. O DN disse que nenhuma canção “teria passaporte para poisar em Dublin”.
As reações foram diversas. Fernando Torno, 3º lugar, estava desanimado. Rolo Duarte, da equipa de Paulo de Carvalho, disse que Tonicha ganhou “porque é muito bonita”. Já esse cantor considerou a canção “saltadinha”, e disse que Tonicha era “muito nova para ganhar um Festival”. Pedro Osório, único orquestrador português no Festival, apelidou o tema de “medíocre”.
Milhões de portugueses viram a gala. “Bombeiros não tinham uma chamada sequer”, escreveu o DN, e hospitais tiveram menos afluência.
Depois da vitória, havia que preparar a apresentação em Dublin. Carlos Cruz prometia trabalhar para lançar a cantora na Europa “como nunca aconteceu (…) a um concorrente português”. Nos planos estava melhorar a canção (orquestrada por Augusto Algueró, o mesmo de “La la la”, de Massiel) e a gravação de um filme a cores para ser distribuído. Era nova regra da EBU: as canções do ESC tinham de passar em todas as emissoras, depois de 1 de março. Era proibido a publicação das letras e músicas das canções até essa data, caso contrário eram excluídas. Como diz o Século, “é um convite aos concorrentes desleais” que queriam livrar-se da concorrência.

A viagem portuguesa resumida numa imagem

Nada de mal aconteceu. 18 países apresentaram os seus temas no Gaiety Theatre, em Dublin, a 3 de abril. O recinto era muito pequeno, em comparação com os dos anos anteriores: apenas 800 pessoas iam assistir ao vivo, sendo que 700 lugares eram ocupados pelas delegações e jornalistas. Os outros 100 foram para VIPS.
A RTE, emissora do país, tinha apenas 10 anos quando organizou o ESC. Iam ver o espetáculo 500 milhões de pessoas em 39 países.
Portugal levou a delegação mais numerosa. A razão de estarem tantas pessoas em Dublin era simples: a RTP levou pela primeira vez comentador. Além disso, viajaram vários suplentes, para o caso de acontecer qualquer coisa ao comentador, maestro… Tonicha, contudo, era única. Foi também a primeira vez que houve um assessor de imprensa português, que, diz a Flama, “raras vezes se terá dado” pela sua ação. A RTP não pagou a viagem aos autores.
"Menina" foi subindo nas apostas (Inglaterra, Alemanha, Luxemburgo, Espanha e Mónaco eram os favoritos). Tonicha impressionava com as suas hot-pants e os jornalistas procuravam-na.


O entusiasmo que houve em Dublin durante o Festival ficou muito aquém do que acontecera em Madrid. A maior parte das pessoas nem sabia o que era o ESC. Um jornalista do SI entrevistou um jovem, que lhe disse: “Festival da Eurovisão? Que é isso? Ah, já sei, muitos países a cantar pela TV, não é?” E confessou que não ia ver. 
O ESC foi usado como palco para muitos protestos por parte da população local. Panfletos em várias línguas foram oferecidos aos jornalistas. Num lia-se que só 3 mil irlandeses podiam ver a gala a cores. À porta do teatro juntaram-se, na noite da final, centenas de mulheres, que exigiam os mesmos direitos que os homens. Os trabalhadores da RTE também protestaram pelos custos com o concurso (a emissora falava em 35 mil libras, mas eles diziam ser 64 mil). A entrada do país na CEE também era contestada. Houve até ameaça de bomba, e a cantora britânica, Clodagh Rodgers (natural da Irlanda), foi ameaçada de rapto.


A Bélgica apanhou um valente susto: a representante, Nicole, foi vitima de uma crise de icterícia, e o médico proibiu-a de cantar. Hugo, seu parceiro, ficou pendurado. A emissora chamou rapidamente Lily Castel e Jacques Raymond para os substituir. Chegaram a Dublin sem sequer saberem a letra e melodia do tema.
      Tonicha subiu ao palco na 15ª posição, com os seus colegas (Nazaré Fernandes tocou guitarra e um dos Intróito fez coro). O vídeo que antecedeu a nossa atuação pretendia ser um postal do país, mas foi “um desastre”, segundo muitos jornais, visto que pouco mostrou de Portugal.


Sobre a atuação, o DN diz que Tonicha defendeu bem o tema, e o resultado (9º lugar com 83 pontos) foi honroso. A Flama elogiou a prestação vocal e disse que o lugar lhe “assenta bem”, mas disse que faltou alguma espontaneidade. O DP escreve que Tonicha “foi uma lição de humildade e profissionalismo”. No mesmo artigo escreveram que se deram “muitos passos em frente” no que diz respeito às presenças portuguesas. O vestido de Tonicha maravilhou a maioria deles. Em relação à gala, toda a imprensa elogiou o trabalho da RTE e da apresentadora.

É o que acontece aos cafés que não têm televisor...

O Mónaco, com uma equipa 100% francesa, conquistou a sua única vitória no certame, com 128 pontos. Este ano a votação foi diferente: cada júri era composto por duas pessoas, presentes no teatro, que pontuavam cada canção de 1 a 5. Os jurados tinham de 18 a 60 anos e variadas profissões. Houve, até, um padre!


Este sistema foi muito elogiado pela imprensa e até por Nazaré Fernandes, que disse que assim o júri tinha “um maior contacto com as canções”, ainda que pudesse propiciar certos jogos. Espanha, por exemplo, deu 2 pontos (o mínimo possível) às grandes favoritas. Ainda assim, deram 10 a Portugal, o que nos ajudou a ficar temporariamente no 4º lugar da votação!


      Terminada a gala, decorreu uma reunião com os chefes de delegação para se fazer um balanço e ouvir sugestões para o futuro. Depois, foram para um cocktail, durante o qual Tonicha recebeu vários telegramas (um deles de Paulo de Carvalho).
     Tonicha teve, em Lisboa, uma receção “à Benfica”, como disse a Flama. Centenas de pessoas estavam no aeroporto, e a cantora mal conseguiu entrar no carro. Ela seguiu para o Villaret onde a Zip lhe preparara uma festa. Pelo caminho foi acarinhada pelas pessoas.


Terminava em glória mais uma edição da Eurovisão. No balanço de Nazaré Fernandes, era preciso mudar o Festival RTP e manter o nível de trabalho feito para este ESC. O compositor deixou escapar alguns problemas que existiram na equipa portuguesa. Ele disse que alguns dos seus conselhos foram mal interpretados e mesmo recusados pelo chefe da delegação, Bivar. Houve mesmo, segundo escreveu o DP, uma “acalorada discussão” entre eles, porque Nuno queria realizar um ensaio extra no hotel, e Bivar respondeu que “só a ele competia tomar decisões”.

28/09/2013

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